quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

UM CORDEL DE CATEGORIA...


Cordel do juiz federal,DR Marcos Mairton, até pouco tempo, trabalhando em Mossoró..sabia da sua existência, por intermédio de Paulo Henrrique Viana, meu genro, que trabalhou com o senhor, no juizado federal de Mossoró, e me falava da sua diferenciação para o lado poético...seu cordel e’muito bem feito, e gostoso de ler, a gente fica ansioso para saber o final...Minhas homenagens DR Mairton.... é um juiz que traz no coração, as coisas do povo...


(Este cordel é dedicado ao meu filho Álvaro, que aos sete anos de idade disse a frase que me inspiraria a escrever toda essa história e, atualmente com nove, já é para mim um grande companheiro quando tenho que enfrentar nas batalhas da vida)

Foi William Shakespeare
Quem escreveu certo dia
Que existem bem mais mistérios
Entre o céu e a pradaria
Do que possa explicar
Ou ao menos suspeitar
Nossa vã filosofia.
Lembrei desse pensamento
Em outro cordel que fiz,
Quando adaptei um conto
De Machado de Assis,
E o caso que eu vou contar
Vem de novo confirmar
Essa frase que se diz.
Ocorreu que numa tarde
De um domingo ensolarado,
Fui a um grande hospital,
No qual estava internado
Um antigo amigo meu
Que um acidente sofreu
E tinha sido operado.
Da moto que pilotava
O rapaz tinha caído.
Ficou todo arranhado,
Bem machucado e ferido,
Quase que não escapava
Mas já se recuperava
Desse acidente sofrido.
Quando entrei na enfermaria
Percebi, que do seu lado,
Havia uma outra cama
E nela um homem deitado.
Chamou a minha atenção
Ver que aquele cidadão
Estava todo enfaixado.
Prossegui minha visita,
Fiquei ali conversando,
A história do acidente
Meu amigo foi contando.
Enquanto ele conversava,
O seu vizinho ficava
Sempre nos observando.
Percebendo aquele homem
Querendo participar
Da conversa, resolvi
Com ele também falar.

Perguntei: “E tu, amigo?
O que aconteceu contigo?
Como foi se machucar?”
Apesar dos ferimentos
Ele logo respondeu
E me disse: “Eu lhe conto
O que me aconteceu.
Só que, antes, fale sério,
Se crê que existe mistério,
Se é crente ou se é ateu”.
Respondi: “Me considero
Como espiritualista.
Não sigo religião
Mas não sou materialista.
Respeito, de coração,
O judeu e o cristão,
O muçulmano e o budista.
Ele disse: “Então eu conto,
Mas preste muita atenção,
Pois o que me aconteceu,
Me causa admiração.
E depois que eu lhe falar,
Se tiver como explicar
Me dê uma explicação”.

Há muitos anos atrás,
Tive um sonho interessante,
Que pareceu bem real,
Uma coisa impressionante.
Fardado e sujo de terra,
Eu estava em uma guerra
Era um soldado, um infante.
Eu não sei qual era o ano,
Nem sei qual era o lugar,
Mas a arma que se usava
Era dessas de socar.
A cada tiro que eu dava
Outra vez recarregava
E tornava a disparar.
Nessa batalha feroz
Bala vinha e bala ia.
Na trincheira onde eu estava
Toda hora alguém caía.
O inimigo era bem forte,
Por ali rondava a morte,
Mas a ela eu não temia.
Depois de horas de luta,
Vi que nossa munição
Estava quase acabando.
Então vi que a situação
Ficaria complicada
Caso não fosse encontrada
Logo alguma solução.
Lembro que, bem nessa hora,
Chegou nosso capitão,
E disse: “Venha comigo!
Vamos buscar munição,
Mas, nós temos que correr
Pois senão vamos perder
Todo o nosso pelotão”.
Pegamos uma carroça,
Ele, eu e outros dois,
Que estavam na trincheira
E ele convocou depois.
Descemos uma ladeira
E seguimos na carreira
Entre campos de arroz.
Chegamos numa cabana
Onde estava a munição,
Mas, perto dela, caíam
Muitas balas de canhão
Mesmo assim, fui logo entrando
E a munição procurando,
Pra entregar ao capitão.
Mas, já na primeira vez
Que entrei naquele local
Um dos tiros atingiu
A coluna principal.
O telhado desabou
Por pouco não me causou
Um ferimento fatal.
Fiquei preso na cabana
Sentindo muito receio
Que outro tiro atingisse
A construção pelo meio.
Vi então que a minha vida
Poderia ser perdida
No terrível bombardeio.
Nessa hora o capitão
Apressou-se em me salvar
E, saltando da carroça,
Veio para me ajudar.
Afastando os escombros
Arrastou-me pelos ombros
Dali para outro lugar.
Só que, enquanto ele lutava
Pra me ajudar a sair,
O inimigo prosseguia
Querendo nos destruir,
E as bombas que ali caíam
A qualquer momento iriam
Tudo aquilo explodir.
E, de fato, explodiu mesmo,
Mas eu já tinha saído.
Aí vi que o capitão
Acabou sendo ferido
Por um grande estilhaço
De ferro, ou talvez de aço,
Que o havia atingido.
Consegui sobreviver,
Por causa daquele amigo,
Que, tentando me salvar,
Expôs-se muito ao perigo,
E sofreu um ferimento
Que causou um sangramento
Bem do lado do umbigo.
A partir desse momento,
Era eu que o socorria.
Carregando-o em meus ombros
Para bem longe eu corria,
Mas, sem ter para onde ir,
Não pude mais prosseguir,
Nem andar eu conseguia.
Só então eu percebi
Que os outros dois soldados,
Que para aquela missão
Comigo foram chamados,
Também nos acompanhavam
E, como nós, lá estavam
Feridos e apavorados.
Ficamos todos ali,
Eles, eu e o capitão.
Escondidos, esperando
Melhorar a situação.
Mas o capitão sangrava,
Bem depressa piorava
Estirado ali, no chão.
Foi então que eu lhe falei:
“Capitão, muito obrigado,
O que o senhor fez por mim
Me deixou impressionado,
Pois arriscou a sua vida
Desta forma destemida
Pela vida de um soldado”.
Nessa hora ele me disse:
“Sei que logo irei morrer,
Mas eu, antes de partir,
Tenho algo a lhe dizer:
Sei o quanto me arrisquei,
Mas fiz só o que eu achei
Que era o certo a se fazer.

Não fiz para ser herói
Nem pra ser condecorado,
Mas, se há algo do que eu sei,
Que pode ser ensinado,
Eu lhe digo e sei que acerto:
Faça sempre o que achar certo
Por mais que seja arriscado”.
Ele disse aquela frase
E logo a seguir morreu.
Uma enorme emoção
Sobre mim se abateu.
Então acordei chorando,
Minha mulher perguntando
O que foi que aconteceu.
Foi um sonho tão real
Que custei a acreditar
Que havia apenas sonhado
E acabava de acordar.
Minha cabeça zunia,
Levei quase todo o dia
Para me recuperar.
Mas, depois, passou o tempo,
E eu acabei me esquecendo
Daquele sonho que um dia
Me fez acordar tremendo,
Como também da lição
Que aprendi com o capitão
Quando estava ali, morrendo.
Você deve estar pensando:
“O que isto tem a ver
Com as suas queimaduras
Que ora lhe fazem sofrer?”
Espere que eu já lhe conto
E espero que esteja pronto
Para o que vou lhe dizer.
Aconteceu que um dia,
Eu estava retornando
Para casa com meu filho,
Mas, quando fomos chegando,
Nós vimos que a residência
Da vizinha, dona Hortênsia,
Estava se incendiando.
Ela veio lá de dentro
Chorando desesperada.
Gritando: “Minha filhinha,
Vai morrer toda queimada!
Não tive como salvá-la
Pois não pude carregá-la
Quando caiu desmaiada.”
Ao ouvir essas palavras
Pensei logo em adentrar
Na casa que estava em chamas
Para assim poder salvar
A filha de Dona Hortênsia.
Apesar de tanta urgência,
Tive tempo de pensar:
“E se o fogo me pegar,
E eu nada puder fazer
Pra salvar essa criança
Que vou tentar socorrer?
Caso eu morra nessa hora,
Meu filho fica aqui fora
Vendo tudo acontecer.”
Então olhei pra o meu filho,
Que estava ali, do meu lado,
E ele, como se notasse
Que eu havia hesitado,
Disse pra mim, bem de perto:
“Faça sempre o que acha certo
Por mais que seja arriscado”.

Quando ouvi aquela frase,
Eu não pensei mais em nada.
Em direção ao incêndio
Saí logo em disparada
Pouco depois eu voltava,
E em meus braços carregava
A menina desmaiada.
Depois que saí da casa,
Na calçada desmaiei
E depois, neste hospital,
No outro dia eu acordei.
Pelo ato de bravura
Tive tanta queimadura,
Por pouco não me acabei.
Mas, eu lembro que na hora
Que na casa fui entrando,
Era como se estivesse
Naquela guerra lutando,
E a voz do meu comandante
Em repetição constante
Na minha mente ecoando.
Agora, você me diga
Como pôde acontecer
De a frase do meu sonho
Meu filho também saber?
E também de ele ter dito,
Naquele momento aflito,
O que veio a me dizer?
Pois, tendo ele sete anos,
Eu não podia esperar
Atitude como aquela,
De seu pai incentivar,
A seguir a consciência
Mesmo que a sobrevivência
Eu viesse a arriscar.
Ao ouvir aquela história
Fiquei muito impressionado.
Será mesmo que vivemos
Outras vidas no passado?
Que pai e filho lutaram
Numa guerra e enfrentaram
O inimigo lado a lado?
Ou será que, na verdade,
Foi apenas impressão,
Que o homem acabou tendo
No momento da aflição,
E pensou ter escutado
Algo que estava guardado
Em seu próprio coração?
Mas, é possível, também,
Ter ocorrido o seguinte:
O próprio pai ter narrado,
Umas dez vezes, ou vinte,
Aquele sonho, e então,
Em alguma ocasião
O filho ter sido ouvinte.
Ponderei sobre essas coisas
Com interesse especial,
Mas, o tempo passou logo,
E, em verdade, no final,
Nada e nada concluímos.
Depois nós nos despedimos
Fui embora do hospital.
O meu amigo ficou
Alguns dias internado,
Mas logo voltou pra casa,
E hoje está recuperado.
Muito tempo se passou
E aquele encontro ficou
Esquecido no passado.
Quase dez anos depois,
Estava eu almoçando
Em um shopping da cidade,
Muito distraído, quando
Ouvi uma voz falar:
“Veja só, neste lugar,
Quem estou reencontrando”.
Eu sequer reconheci
Quem falava ali comigo,
Mas o homem se portava
Como fosse meu amigo,
Disse: “Que satisfação,
Tenho nesta ocasião
De encontrar aqui contigo!”
Foi aí que percebeu
Que eu não o reconhecia,
Então disse: “Me desculpe,
Como o senhor poderia
Saber hoje quem sou eu
Se quando me conheceu
Minha cara não se via?”
“Eu sou aquele sujeito
Que estava todo enfaixado
No dia em que seu amigo
Estava hospitalizado.
Que, por causa de um sonho,
Entrei num fogo medonho,
Quase que morri queimado.”
“Olhe só as cicatrizes
Que para sempre ficaram
Nos meus braços e orelhas
Que no incêndio se queimaram.
Compreendo se você
Não lembrar, mesmo por que
Muitos anos se passaram.”
Mas, quando ele falou isso,
Lembrei-me daquele dia.
Então o cumprimentei,
Perguntei se ele queria
Almoçar em minha mesa.
Haveria, com certeza,
Muito assunto a por em dia.
E, de fato, havia mesmo
Muito para conversar.
Ele falou de sua luta
Para se recuperar
Até deixar o hospital,
Voltar à vida normal
No trabalho e no seu lar.
Naquela oportunidade,
Outra vez nós comentamos
Sobre a história do seu sonho
Do qual um dia falamos,
Quando nós nos conhecemos
No hospital onde estivemos.
Tudo isso nós lembramos.
No meio dessa conversa
Aproximou-se um rapaz
De uns dezessete anos,
Talvez menos, talvez mais,
Que lhe disse, sorridente:
“Papai, cheguei finalmente,
Lhe fiz esperar demais?”
Ele, então, disse: “Meu filho,
Nem vi o tempo passar,
Pois encontrei este amigo
E estive a conversar,
Eu há tempos não o via
Mas, agora gostaria
De a você apresentar”.
“Conheci-o no hospital,
Quando estive internado
Por causa daquele incêndio,
Ocorrido no passado,
Quando ajudei a vizinha,
Socorri a menininha,
Mas saí todo queimado.”
Depois, olhou para mim,
E foi logo esclarecendo:
“É esse aí o meu filho,
Que eu estava lhe dizendo,
Cuja bela atitude
Demonstrou grande virtude,
Muito me surpreendendo”.
“Com seus sete anos de idade
Mostrou não ter egoísmo.
Arriscou ficar sem pai,
Num exemplo de altruísmo.
Ao me ver titubear,
Inspirou-me a praticar
Ato de grande heroísmo”.
Ouvindo-o falar assim,
O filho o interrompeu,
Dizendo: “Papai, espere,
O senhor não entendeu
Que naquele triste dia
Que o senhor quase morria,
Quem lhe inspirou não fui eu.”
O homem ficou surpreso.
Disse: “Filho, não entendo
É o que tu estás agora
Nesse instante me dizendo.
Ao ouvir você falar
Foi que resolvi entrar
Na casa que estava ardendo”.
O filho disse: “Eu sei disso,
Mas eu nunca lhe falei,
Que aquilo que eu lhe disse,
Não fui eu que inventei.
Eu apenas repeti
Uma frase que ouvi
Em um sonho que sonhei”.
Na noite antes do incêndio
Eu sonhei que era um soldado
Que lutava em uma guerra
E, em meio ao fogo cruzado,
Fui buscar mais munição
Dentro de um velho galpão
Que acabou sendo atacado.
Eu e mais dois companheiros
Fomos naquela missão
De entrar no armazém
Por ordem do capitão
Que ficou nos esperando
Na carroça aguardando
Com uma arma na mão.
Naquele mesmo instante
O soldado mais valente
Mostrou todo seu valor
E partiu logo na frente
Entrou armazém adentro
Mas, quando estava lá dentro,
Mudou tudo, de repente.
O telhado desabou
Depois de ser atingido
Por um tiro de canhão,
Fazendo grande estampido,
E o destemido soldado
Ficou lá, encurralado,
Provavelmente ferido.
Nessa hora o capitão
Correu para lhe salvar
E do meio dos escombros
Conseguiu lhe retirar
Só que, mal ele saiu,
Tudo aquilo explodiu
Em pedaços pelo ar.
Saímos dali correndo,
Buscando nos proteger
Mas, sem saber pra que lado
Deveríamos correr.
Então nos refugiamos
Numa vala que encontramos
Tentando sobreviver.
Percebi que o capitão
Foi ferido gravemente
E agonizava nos braços
Do soldado mais valente
Só que, antes de morrer,
Teve tempo de dizer,
Uma mensagem pra gente.
Dizia-lhe o capitão:
“Sei que logo irei morrer,
Mas eu, antes de partir,
Tenho algo a lhe dizer:
Sei o quanto me arrisquei,
Mas fiz só o que eu achei
Que era o certo a se fazer.
Não fiz para ser herói
Nem pra ser condecorado,
Mas, se há algo do que eu sei,
Que pode ser ensinado,
Eu lhe digo e sei que acerto:
Faça sempre o que achar certo
Por mais que seja arriscado”.
Foi esse o sonho que tive
Na noite que antecedeu
O incêndio que vizinho
À nossa casa ocorreu.
Eu era muito criança
Mas tenho viva a lembrança
De tudo o que aconteceu.
A frase que eu lhe falei
Não foi de caso pensado.
Eu apenas repeti,
O que tinha escutado
Naquele momento incerto:
Faça sempre o que achar certo
Por mais que seja arriscado”.
Quando o rapaz acabou
Toda aquela narração,
Percebi que o pai chorava
Tomado pela emoção.
Fui um privilegiado
Por haver presenciado
Toda aquela situação.
Pai e filho se abraçaram
Como dois grandes amigos
Que já caminhavam juntos,
Desde tempos muito antigos.
Caminhando lado a lado,
Tendo juntos enfrentado
Aventuras e perigos.
Se vivemos muitas vidas,
Se há reencarnação,
Eu não nego, nem afirmo,
Não digo que sim, nem não,
Mas, eu bem que gostaria
De haver sonhado, um dia,
Lutando como um soldado,
Com meu filho ali por perto
Fazendo o que achasse certo
Por mais que fosse arriscado.

2 comentários:

  1. Obrigado por postar o meu cordel e pelas palavras de elogio.
    A igreja na qual o senhor exerce o sacerdócio e a Romana ou a Sertaneja?

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  2. DR Mairton

    é um prazer contar com a sua participaçào...O senhor um juiz, e eu, um médico, com esta poesia fervendo nas veias, com certeza, ajuda a limpar a angústia que suja o mundo...
    Sou um homem católico, meu ídolo é Cristo...sou também integrane e Padre da Icas:Igreja Católica Sertaneja, comandada pelo Papa Bertius I,que com seu humor fino,mostra a verdade, e separa o joio do trigo...DE tudo que agente faz e diz, o mais importante é viver...
    temos que relaxar, senào ninguém segura este rojào...
    UM grande abraço, espero contar com a sua inteligencia, para sempre ornamentar o meu blog.Dê um abraço no Alvaro, e mostre como ele é importante...
    Bernardo Celestino Pimentel

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