domingo, 21 de outubro de 2012

O PESO DA POESIA...




As coisas que te cercam... - Paulo Henriques Britto

As coisas que te cercam, até onde 
alcança a tua vista, tão passivas 
em sua opacidade, que te impedem 
de enxergar o (inexistente) horizonte, 
que justamente por não serem vivas 
se prestam para tudo, e nunca pedem
nem mesmo uma migalha de atenção, 
essas coisas que você usa e esquece 
assim que larga na primeira mesa – 
pois bem: elas vão ficar. Você, não. 
Tudo que pensa passa. Permanece 
a alvenaria do mundo, o que pesa.
O mais é enchimento, e se consome. 
As tais Formas eternas, as Ideias, 
e a mente que as inventa, acabam em pó, 
e delas ficam, quando muito, os nomes. 
Muita louça ainda resta de Pompeia, 
mas lábios que a tocaram, nem um só.
As testemunhas cegas da existência, 
sempre a te olhar sem que você se importe, 
vão assistir sem compaixão nem ânsia, 
com a mais absoluta indiferença, 
quando chegar a hora, a tua morte. 
(Não que isso tenha a mínima importância).


Paulo Henriques Britto (Rio de Janeiro, 1951) - Além de poeta, é professor e tradutor. Estreou na poesia em 1982 com o livro Liturgia da matéria, depois publicou Mínima Lírica (1989) e Trovar Claro (1997) com o qual recebeu o Prêmio Alphonsus de Guimaraens, da Fundação da Biblioteca Nacional. Em 2003 publicou Macau, com este ganhou o Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira. Depois Paraísos Artificiais (2004) e Tarde (2007).

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