quinta-feira, 28 de outubro de 2010

VERGONHA DE MORRRER...

VERGONHA DE MORRER ...LUIZ BERTO FILHO.

Considero que bem pior do que um escândalo ou um bate-boca em público é o fato de se passar mal em público. Um chilique no meio do povo é um espetáculo deprimente e grotesco. Não conheço nada mais ridículo do que um cidadão se ver indefeso, desmaiado, ocupando as pessoas com cuidados e comentários piedosos.

E vem logo aquele ajuntamento de perus e curiosos, uns especulando, outros receitando e alguns, mais práticos, já tomando providências imediatas para a remoção do vivente para um hospital que o acuda. O pavor de me ver desacordado só é superado pelo pavor de imaginar aquela roda agourenta em redor - como diria Augusto dos Anjos -, do meu corpo inerme.

Sobretudo, mortifica-me o pensamento de que naqueles momentos terríveis estarei incapaz de me acudir a mim mesmo, dependendo das providências e dos esforços de outras pessoas.

Todavia, estes pensamentos de desconsolo não são nada quando me ponho a refletir sobre o miserável espetáculo da morte, que nos reduz a um monte de carnes sem ação. No fundo, estou conformado com a idéia de que irei morrer um dia, embora muito a contragosto. O que não me entra na cabeça é o fato de ter que ocupar outros mortais para tomar uma série de medidas que estarei irremediavelmente proibido de tomar por minha própria conta. Não digo os profissionais, como os agentes funerários, os médicos, os coveiros e outros que tais, que por dever de ofício sustentam suas vidas às custas das mortes alheias. Refiro-me aos parentes, anônimos, vizinhos e amigos, que são obrigados a tomar providências imediatas e inadiáveis, enquanto eu estarei condenado a ficar ali espichado, à vista de todos, sem ao menos poder dar uma sugestão.

Como dizia meu pai, esse negócio de morrer é tão miserável, imprevisto e ligeiro que não dá nem para mandar um recado. De mim sei dizer que, se pudesse escolher, eu morreria sumindo, desocupando o espaço do mundo como uma carta que desaparece das mãos do mágico. Assim que nem um passarinho solitário, sem testemunhas, que bate as asas na boca da noite e se perde na linha do horizonte. Me encantaria, sem dar chateações a ninguém com providências noturnas, velórios, enterro e choradeiras.

O cúmulo do ridículo são os suicidas que se matam em lugares públicos, oferecendo o deprimente espetáculo de suas mortes à apreciação do olhar mórbido das multidões. Se pelo menos se matassem no meio de uma floresta, ou se afogassem no oceano a quilômetros da costa, mereceriam de mim um pensamento de compreensão.

Como não acredito na eternidade, nem na monotonia de uma vida após a morte, resta-me o consolo de saber que não terei de ficar me lamentando, lá no infinito, da vergonha que eu passaria ao lembrar o vexame que, como todo mundo, cometerei ao morrer.

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