segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A GREVE DOS BICHOS...



* * *

Zé Vicente - A greve dos bichos

Muito antes do dilúvio
Era o mundo diferente
Os bichos todos falavam
Melhor do que muita gente
E passavam boa vida
Trabalhando honestamente

O diretor dos Correios
Era o doutor jabuti
O fiscal do litoral
Era o matreiro siri
Que tinha como ajudante
O malandro do quati

O rato foi nomeado
Para chefe aduaneiro
Fazendo muita “muamba”
Ganhando muito dinheiro
Com camundongo ordenança
Vestido de marinheiro

O cachorro era cantor
Gostava de serenata
Andava muito cintado
De colete e de gravata
Passava a noite na rua
Mais o besouro e a barata

A cigarra muito pobre
Inda não era “farrista”
Ganhava cinco mil réis
Para ser telefonista
Mais foi cantar num teatro
E acabou como corista

O mosquito era enfermeiro
Tinha muita ocupação
Andava sempre zuindo
Dando na tropa injeção
Combatendo noite e dia
O micróbio da sezão


O diretor do Tesouro
Era o doutor gafanhoto
Andava sempre apressado
Num bom cavalo de choto
Que uma vez quebrou a perna
Dentro dum cano de esgoto

A saúva se ocupava
Na podação dos jardins
E tinha como ajudantes
Quatrocentos mucuins
Que já nesse velho tempo
Eram moleques ruins

O macaco sempre foi
Muito bem expediente
Passava a vida feliz
Sempre baludo e contente
Com sua sabedoria
Enganando toda gente

O burro, metido a sebo
Queria ser sabichão
Até chegou mesmo a ser
Diretor da Educação
Onde baixou portaria
Metendo… os pés pela mão

Do Telégrafo Sem Fio
Era o chefe caranguejo
Apesar de não saber
Daquele troço o manejo
Dava melhor pra tocar
Berimbau ou realejo

A mucura era empregada
Numa fábrica de extrato
O peru era na terra
Consertador de sapato
O calango quitandeiro
Só não vendia barato

Dona aranha era modista
A mosca sua empregada
Quando errava no serviço
Levava muita pancada
Mas no fim de pouco tempo
Já vivia acostumada

A guariba era uma negra
Destas mesmo brobobó
Que não se dava o respeito
Dançando no carimbó
Num chamego vergonhoso
Com o sobrinho do socó

Por causa dela, uma vez
Houve até pancadaria
Quebraram a perna do gato
Furaram os olhos da jia
E o mocó esmoreceu
Na presença da cotia

A picota, coitadinha
Teve um chilique na rua
Naquela barafunda
Apareceu a perua
Que ficou foi depenada
E completamente nua

Era o chefe de polícia
O comendador jumento
Que tomou as providências
Requeridas no momento
Mostrando que para o cargo
Só lhe faltava talento

Guariba foi deportada
Do centro da capital
Depois de enorme sentença
Dum processo federal
Que condenava a vadia
Por ofensas à moral

O jornal intitulado
Gazeta dos Animais
Combateu esse processo
Chamando a todos venais
Porém, comprado o seu dono
Fechou-se, não falou mais

O sobrinho do socó
Quando viu a coisa feia
Foi falar com seu padrinho
Que tinha bom pé-de-meia
E com peso de dinheiro
Pôs o juiz na cadeia

Nessa campanha medonha
Um bode pai de chiqueiro
Foi “bancar” o moralista
Mas desertou do terreiro
Por causa dumas histórias
Que revelou o carneiro

O porco, então, prometeu
Fazer de todos a cama
Dando lições de higiene
Querendo ter muita fama
Mas todo bicho sabia
Que ele morava na lama

Carrapato era fiscal
Preguiçoso e muito feio
Onde havia uma tramóia
Estava sempre no meio
Engordando doidamente
À custa do sangue alheio

A formiga era sovina
Mas amiga do trabalho
E tinha seu sindicato
Cada qual lá no seu galho
Acumulando no inverno
Folhas de maio e retalho

Tartaruga, pescadora
Era amiga da baleia
Tracajá guardava os ovos
Nos tabuleiros de areia
Mas a cobra só sabia
Falar mal da vida alheia

O tamanduá bandeira
Era muito adulador
Não saía de palácio
Mirando o governador
Até que enfim conseguiu
Ser juiz corregedor

E depois que se pegou
Naquela nova função
Foi dizer que tudo aquilo
Era simples galardão
De seu talento elevado
Mas, favor, isso é que não!

Naquele tempo existia
Teatro da natureza
Borboleta era querida
Por sua grande beleza
Era a melhor dançarina
Que se via na redondeza

Cururu era aplaudido
Como mágico perfeito
Engolindo fogo em brasa
Como quem bate no peito
Ganhando palmas a beça
Gozando muito respeito

Fez uma festa o veado
Em benefício do arraiá
Que já não tinha dinheiro
Nem pra comprar uma saia
E o cachorro foi cantar
Mas apanhou uma vaia

Urubu já nesse tempo
Era um grande aviador
Levando a correspondência
Aos bichos do interior
Conduzindo pelos ares
Cartas, postais e valor

A coruja era ama-seca
Dos filhos do papagaio
Que só viviam chorando
Dentro d’um grande balaio
Com medo de tempestade
De chuva grossa e de raio

Papagaio era estimado
E professor numa escola
Onde uma vez fez exame
A turma do tatu-bola
Que foi toda reprovada
E levou pau na cachola

Ia tudo muito bem
Ganhando alegre o seu pão
Mas, uma vez o quati
Se arvorando a sabichão
Falou a necessidade
De fazer revolução

Pedindo logo a palavra
Foi, de fato, extraordinário
Quando afirmou que o trabalho
Precisava de outro horário
E lembrou de se aumentar
Da bicharada o salário

O burro, então, bateu palma
Gritando, muito emproado:
“Muito bem, isto é verdade
Eu já vivo maltratado
De trabalhar para os outros
Como um pobre condenado”

O cavalo relinchando
Seu sofrimento descreve
E pede que o movimento
Seja mesmo para breve
Que em todo o reino se faça
Estalar medonha greve

Vendo a coisa pegar fogo
Cada qual melhor atiça
O burro sempre na frente
Bufando vem para liça
Tudo que é bicho aderiu
Menos a dona preguiça

Havia imensa algazarra
Toda manhã, toda tarde
O quati não se calava
Promovendo grande alarde
Enquanto o boi só ficou
Pra não passar por covarde

Achavam já os grevistas
Que nada estava direito
Até pipira arvorada
Batia o bico no peito
Dizendo: “Pra me acalmar”
Só mesmo com muito jeito.

O macaco foi ao mato
Trouxe um rolo de cipó
E disse para o quati:
“Isso é pra dar muito nó
No patife que fugir
E deixar a gente só!”

A raposa convidada
Para a luta pela aranha
Respondeu: Não acredito
Estou farta de patranha
Tenho meu ponto de vista
Vou ver primeiro quem ganha

Começado o movimento
A formiga deu notícia
O tatu foi logo preso
Para o quartel de polícia
Mas pensando na vitória
Até se riu com delícia

O peru: numa contenda
Perdeu metade da crista
Já tinha havido a traição
Muitos estavam na lista
O galo foi deportado
Como sendo comunista

A questão não dava jeito
Já passava uma semana
O porco entrou num roçado
Comeu tudo que era cana
E o macaco foi pegado
Quando roubava banana

O quati viu-se perdido
Foi dando o fora apressado
Enquanto o trouxa do burro
Ali ficava enrascado
Sem saber que jeito dava
Naquele caso encrencado

Não havia mais comida
E nem tão pouco dinheiro
Mas a família Formiga
Tinha bem farto o celeiro
E quando foi procurada
Escondeu tudo primeiro

O jacaré, nesse tempo
Era o grande imperador
Sua corte era composta
Só de bichos de valor
Como a família Piranha
Onde tudo era doutor

Tubarão, o comandante
Duma valente brigada
Com corpos de infantaria
Do capitão peixe-espada
Mandava o zinco comer
na costela da negrada

Já quase desanimando
E arrependido da idéia
Resolveu a bicharada
Se juntar numa assembléia
Que teve muita ovação
No grande dia da estréia

Disse o burro: “Minha gente
Só quero ver como é
Ninguém mais hoje trabalha
Pra sustentar jacaré
Ele agora o que merece
É certeiro pontapé”

Pedido o auxílio da onça
Esta se comprometeu
E, disfarçada, em palácio
Uma noite se meteu
Quando chegou jacaré
Passou-lhe o dente e comeu

Tomou conta do governo
Debaixo de aclamação
E baixou logo um decreto
Em que fazia questão
De só comer jacaré
Que é de boa digestão

O resto dos jacarés
Vendo a vida por um fio
Abandonaram a cidade
Foram morar lá no rio
Nunca mais na terra firme
A raça dele se viu

Já para o fim, dona onça
Foi ficando diferente
Qualquer bicho que ela via
Passava logo no dente
Ninguém teve mais direito
Tudo andava descontente

Ao filho do jacaré
Um grupo enorme aparece
E o governo da nação
De repente lhe oferece
Mas este diz: “Cada povo
Com o governo que merece!”

E subindo para a praia
Falou com muita razão:
“Vocês pensavam que a onça
Ia salvar a nação
Mas querem ver o bonzinho
Bota-lhe a lança na mão”

Os conselhos recebidos
Fez, então, que não ouviu
E rematando a conversa
Os grandes olhos abriu:
“Vocês vão chorar na cama
Que ficou dentro do rio”

“A mim ninguém pega assim
Como pegaram meu pai”
Disse o jovem jacaré
Que no convite não cai
E termina murmurando:
“Pra lá o diabo é quem vai”

Voltaram todos os bichos
Se lamentando da sorte
A coruja arrependida
Já preferia era a morte
Ninguém mais tinha coragem
Ninguém sentia-se forte

O burro foi processado
Por mera perseguição
Perdeu toda uma fortuna
Que ganhou com “cavação”
Ficou quase na miséria
E foi para na prisão

A raposa era matreira
Mas se fingia de sonsa
Vendo o rumo que tomava
Toda aquela geringonça
Assinou um manifesto
Solidária com a onça

Cada vez a tirania
Manchava mais a nação
A onça só empapando
Comendo farta ração
Devorando os animais
Sem a menor compaixão

O bode compareceu
Num banquete oficial
Mas quando quis regressar
Sofreu um golpe fatal
Foi comido pela onça
Sem choro, sem funeral

Todos os bichos fugiram
Ninguém mais contava broca
Marimbondo amedrontado
Já não sabia da toca:
No reino arisco dos bichos
Tudo corria à matroca

Quando acabou o governo
Desse tempo de sobroço
No palacete da onça
Tinha um montão de caroço
E no tesouro de reino
Uma montanha de osso!



Urubu tá com raiva do boi
Baiano e Os Novos Caetanos
Composição: Chico Anisio e Arnaud Rodrigues



“Legal... me amarro nesse som, tá sabendo?
O medo, a angústia, o sufoco, a neurose, a poluição
Os juros, o fim... nada de novo.
A gente de novo só tem os sete pecados industriais.
Diga Paulinho, diga...
Eu vou contigo Paulinho, diga”

Urubu tá com raiva do boi
E eu já sei que ele tem razão
É que o urubu tá querendo comer
Mais o boi não quer morrer
Não tem alimentação

Urubu tá com raiva do boi
E eu já sei que ele tem razão
É que o urubu tá querendo comer
Mais o boi não quer morrer
Não tem alimentação

O mosquito é engolido pelo sapo
O sapo a cobra lhe devora

Mas o urubu não pode devorar o boi:
Todo dia chora, todo dia chora.
Mas o urubu não pode devorar o boi:
Todo dia chora, todo dia chora.

“O norte, a morte, a falta de sorte...
Eu tô vivo, tá sabendo?
Vivo sem norte, vivo sem sorte, eu vivo...
Eu vivo, Paulinho.
Aí a gente encontra um cabra na rua e pergunta: ‘Tudo bem?’
E ele diz pá gente: ‘Tudo bem!’
Não é um barato, Paulinho?
É um barato...”

Urubu tá com raiva do boi
E eu já sei que ele tem razão
É que o urubu tá querendo comer
Mais o boi não quer morrer
Não tem alimentação

Urubu tá com raiva do boi
E eu já sei que ele tem razão
É que o urubu tá querendo comer
Mais o boi não quer morrer
Não tem alimentação

Gavião quer engolir a socó
Socó pega o peixe e dá o fora

Mas o urubu não pode devorar o boi
Todo dia chora, todo dia chora
Mas o urubu não pode devorar o boi
Todo dia chora, todo dia chora

“Nada a dizer... nada... ou quase nada...
O que tem é a fazer: tudo... ou quase tudo...
O homem, a obra divina...
Na rua, a obra do homem...
Cheiro de gás, o asfalto fervendo, o suor batendo
O suor batendo (4 x) ”

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