quarta-feira, 26 de maio de 2010

Justiça Gratuita...Ney Lopes...Uma Homenagem aos Defensores Públicos do RN.



Justiça Gratuita
Nei Lopes


Felicidade passou no vestibular
E agora tá ruim de aturar
Mudou-se pra Faculdade de Direito
E só fala com a gente de um jeito
Cheio de preliminar (é de armagar)
Casal abriu, ela diz que é divórcio
Parceria é litisconsórcio
Sacanagem é libidinagem e atentado ao pudor
Só fala cheia de subterfúgios
Nego morreu, ela diz que é "de-cujus"
Não agüento mais essa Felicidade
Doutor defensor
(só mesmo um Desembargador)


Amigação
Pra ela é concubinato
Vigarice é estelionato
Caduquice de esclerosado é demência senil
Sumiu na poeira
Ela chama de ausente
Não pagou a conta é inadimplente
Ela diz, consultando o Código Civil
Me pediu uma grana
Dizendo que era um contrato de mútuo
Comeu e bebeu, disse que era usufruto
E levou pra casa o meu violão
Meses depois
Que fez este agravo ao meu instrumento
Ela, então, me disse, cheia de argumento
Que o adquiriu por usucapião
(Seu defensor, nao é mole não!
Taí minha procuração
E o documento que atesta minha humilde condição!
Requeira prontamente meu divórcio e uma pensão!
se ela não pagar vai cantar samba na prisão...)
"ÁGUIA DE HAIA" (samba-de-breque de Luís Filipe de Lima e Nei Lopes)


Saí do bar no rumo de Copacabana
E em pleno Campo de Santana recebi um santo
Quem viu me disse que foi um espanto
Que eu falei coisas meio um tanto ou quanto, sei lá
Dizem que eu falava discursando
Com sotaque de baiano intelectual
Mas de repente, sem ter dó nem piedade
Eu entrei na Faculdade de Direito Nacional (breque)


[Data venia, homo sapiens, libertas quae sera tamen! Dura lex sed lex, in
vino veritas! Alea jacta est, ad libitum, renda per capita, ipsis litteris,
etcoetera...]


Na Faculdade escrevi regras e tratados
Dei lições pro doutorado com muita ciência
Só me chamaram de Vossa Excelência
Fui convidado pra livre-docência, pois é
Discursei três horas sem dar pausa
Fui doutor honoris causa e quase fui reitor
Porém no meio dessa história gloriosa
O caboclo Rui Barbosa de mim desincorporou (breque)


[Quousque tandem, Catilina, abutere patientia nostra? Revertere ad locum
tuum! Vade retro, alter ego... persona non grata! Curriculum vitae?
Delirium tremens!]


Eu que já era um mestre consagrado
Fui então chamado de Doutor Bebum
De catedrático eu passei a ser lunático
Um caso psiquiátrico, um alcoólatra comum
Tudo isso culpa de um traçado
Também, fui misturar conhaque com rum
Agora quando eu passo levo vaia
Águia de Haia, Rui Barbosa um-sete-um (breque)


[Toma cuidado, meu camarada, porque é como dizia o grande filósofo
afro-latino Neilópius: cullus bebedorum dominus non habet! Data venia!]


Seu poema mais famoso
Em Campina Grande, em 1955, um grupo de boêmios fazia serenata numa madrugada fria do mês de junho, quando chegou a polícia e apreendeu o violão. Decepcionado, o grupo recorreu aos serviços do advogado Ronaldo Cunha Lima, então recentemente saído da faculdade e que também apreciava uma boa seresta. Ele peticionou em Juízo, para que fosse liberado o violão.

Esse pedido ficou conhecido como "Habeas Pinho" e enfeita as paredes de escritórios de muitos advogados e bares em praias do Nordeste.

Veja a petição:

Habeas Pinho


Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito

da 2ª Vara desta Comarca


O instrumento do crime que se arrola

neste processo de contravenção

não é faca, revólver nem pistola,

é simplesmente, doutor, um violão.


Um violão, doutor, que na verdade

Não matou nem feriu um cidadão.

Feriu, sim, a sensibilidade

de quem o ouviu vibrar na solidão.


O violão é sempre uma ternura,

instrumento de amor e de saudade.

O crime a ele nunca se mistura.

Inexiste entre eles afinidade.


O violão é próprio dos cantores,

dos menestréis de alma enternecida

que cantam as mágoas que povoam a vida

e sufocam suas próprias dores.


O violão é música e é canção,

é sentimento vida e alegria,

é pureza é néctar que extasia,

é adorno espiritual do coração.


Seu viver como o nosso é transitório,

mas seu destino, não, se perpetua.

Ele nasceu para cantar na rua

e não para ser arquivo de cartório.


Mande soltá-lo pelo amor da noite

que se sente vazia em suas horas,

p'ra que volte a sentir o terno açoite

de suas cordas leves e sonoras.


Libere o violão, Dr. Juiz,

Em nome da Justiça e do Direito.

É crime, porventura, o infeliz,

cantar as mágoas que lhe enchem o peito?


Será crime, e afinal, será pecado,

será delito de tão vis horrores,

perambular na rua um desgraçado

derramando na rua as suas dores?


É o apelo que aqui lhe dirigimos,

na certeza do seu acolhimento.

Juntada desta aos autos nós pedimos

e pedimos também DEFERIMENTO.


O juiz Arthur Moura deu sua

sentença no mesmo tom:


"Para que eu não carregue

remorso no coração,

determino que se entregue

ao seu dono o violão".



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