segunda-feira, 17 de maio de 2010

DO TEMPO DA GUERRA...


GLOSANDO O MUNDO - Laélio Ferreira
A CAMISA DO POETA - MEU PAI


No tempo da guerra, muita gente se empregou em “Parnamirim Field”. Dentre esses pioneiros burocratas – recrutados, diziam, sob o olhar atento do pastor batista doutor Mateus, tido como coronel da inteligência da USAF –, estavam Othoniel Menezes, o poeta da “Praieira”; “seu” Galvão, pai do professor Cláudio Galvão – este, escritor e pesquisador emérito; Dioclécio Sérgio de Bulhões, homeopata, homem boníssimo e caridoso que mais tarde seria vereador em Natal, por muitas legislaturas; Agenor Ribeiro, depois empresário; Rômulo “Minha gata” que, deixando Parnamirim, foi para o Banco do Brasil; Emanuel Rivadávia, também, posteriormente, foi servidor do BB, no México e nos Estados Unidos. Era tão fluente em inglês que foi quem traduziu e leu para o general Eisenhower, em 1945, um discurso escrito por Othoniel, saudando o futuro presidente dos Estados Unidos, em nome do pessoal civil da Base. Misturando-se a essa boa gente, para lá também acorreram alguns “artistas” do Grande Ponto, filhinhos-de-papai, arranhando inglês, charlando, dançando fox no Aero, bodando na praça Pedro Velho.

Na sopa (ônibus), guiada por “Charuto”, negão forte e valente, embarcava o pessoal na Pracinha (“Pedro Velho”, hoje “Cívica”) e imbiocava na “Parnamirim Road”, a “Pista”. Fazia pit stop no portão da Base, ia em frente e deixava os “porcos” no Post of Engineers.

“Porco”, era o apelido dado aos funcionários subalternos, operários, que viajavam nas carrocerias dos caminhões, alcunha que depois se generalizou. De Natal à Base, no ônibus, não viajando criança ou mulher – o que era raro – a esculhambação era grossa. Vida alheia, anedotas cabeludas,acenos para as piniqueiras no trajeto, algazarra, esculhambação total.

Othoniel Menezes, arredio, desconfiado, da raça irritável dos poetas, como afirmava Virgílio, somente com os mais íntimos trocava piadas. Era sofrido, pobre – mas, altivo, culto e probo. Jornalista de renome, secretário do jornal A República, amigo de Café Filho, socialista, admirador de Luiz Carlos Prestes, escrevera em 1935, praticamente sozinho, o jornal A Liberdade. Tachado de “comunista”, passou quase três anos na cadeia. Em Parnamirim, não ligava para o apelido de “Ipecacuanha” (tinha mania por chá caseiro!). Deu o troco ao autor da proeza, o colega Dioclécio Bulhões, caridoso esoterista e homeopata, que tinha uma imponente trunfa: sapecou-lhe a alcunha de “Professor Bendengó”! Prudente, o vate guardava distância dos “artistas” do Grande Ponto, alguns deles, até, filhos de amigos e parentes.

O diabo, porém, atenta! Quando não dá o ar da graça, de corpo presente, manda um secretário. Um belo dia, na rebarba de uma daquelas algazarras, do fundo do coletivo, ouviu, clara e maliciosa, a acaçapante e maldosa agressão: - “Othoniel, poeta da camisa rasgada!”

Vilipendiado, trêmulo, em cima da bucha, levantou-se e partiu pra briga. Era homem de coragem comprovada. Não conseguiu chegar à patota. Os amigos não deixaram. A cotiada camisa que vestia, cerzida e passada, engomada, pelas mãos da sua Maria, era tão só o espelho da sua pobreza respeitável e resignada. Não lhe pisassem! Não conseguiu identificar o autor da agressão gratuita. Nunca soube quem foi, nunca lhe disseram.

Minutos depois, já no Post of Engineers, ainda pálido, calado, à vista dos companheiros solidários, sentou-se à mesa e, a manuscrito, em letras garrafais, numa folha de cartolina made in USA – depois afixada no Quadro de Avisos – fulminou o gaiato:

A camisa rota, oh corno,
e tal qual só você viu,
foi de uma foda no torno
com a puta que lhe pariu!

“Ipecacuanha”, então, esboçou um acanhado sorriso para o futuro vereador – o “Professor Bendengó” – e encerrou, para sempre o assunto.

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