segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

SOBRE A VELHICE DO POETA...PINTO DO MONTEIRO.



Porque deixei de cantar:

Deixei porque a idade
Já está muito avançada
A lembrança está cansada
E o som menos da metade
Perdi a felicidade
Que em moço eu possuía
Acabou-se a energia
Da máquina de fazer verso
Hoje vivo submerso
Num mar de melancolia
* * *
Minha amiga e companheira
Eu embrulhei num molambo
Pego nela por um bambo
Para tirar-lhe a poeira
Hoje não tem mais quem queira
Ir num canto me escutar
Fazer verso e gaguejar
Topar no meio e no fim
Cantar feio, pouco e ruim
Será melhor não cantar.
Não foi por uma pensão
Que o governo me deu
Porque o eu do meu eu
Não me dá mais produção
Cantor sem inspiração
Tem vontade e nada faz
Afinal, sou um dos tais
Que ninguém quer assistir
Nem o povo quer ouvir
Nem eu também posso mais.
* * *
Com a matéria abatida
Eu de muito longe venho
Com este espinhoso lenho
Tombando na minha vida
Tenho a lembrança esquecida
Uma rouquice ruim
A vida quase no fim
A cabeça meio tonta
Quem for novo tome conta
Cantar não é mais pra mim.
* * *
Se ninguém envelhecesse
Eu não estava aonde estou
Velho, doente, acabado
Sem saber pra onde vou
Toda alegria que tinha
Veio o tempo e carregou.
 * * *
Poeta é um passarinho,
que quando tá na cadeia,
sua pena fica feia,
sente saudade do ninho,
do calor do filhotinho
da fonte da imensidade,
se come deixa a metade
da ração que o dono bota
se canta esqueçe a nota
da canção da liberdade.
* * *
No dia que eu tenho raiva
o vento sente um cansaço
o dia perde a beleza
a lua perde o espaço
o sol transforma-se em gelo

cai de pedaço em pedaço.

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