sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A LITERATURA DE VIOLANTE PIMENTEL...

6 fevereiro 2015ARARUTA, ARARUTA



Tatá era uma antiga serviçal, solteirona e sem família, que morava na casa de um conhecido professor, viúvo e com seis filhos para criar. Tinha sido ama de todas as crianças, e era uma espécie de anjo da guarda de todas elas.
Já casado pela segunda vez, o professor Vicentino, muito dedicado ao trabalho, pouco se envolvia na administração da casa. Com o seu segundo casamento, a esposa ficou à vontade para administrar a casa ao seu modo, assumindo o lugar de madrasta e impondo às crianças seus hábitos, inclusive de alimentação.VELHA COM CACHIMBO
Os dois irmãos mais velhos, de doze e dez anos, lideravam as quatro irmãs e as estripulias que todos eles faziam.
A madrasta não gostava de café e quis impor a todos o hábito de tomar chá. As crianças detestavam a madrasta e o chá. Adoravam o pai e não queriam vê-lo aborrecido. Por isso, aceitaram a mudança de hábito imposto pela mulher, sem reclamar. Depois do jantar, os dois meninos mais velhos fugiam até um bar que havia próximo à casa deles e comoviam o dono, contando-lhe que a madrasta havia abolido o café da mesa, substituindo-o por chá. O dono do bar, penalizado com a situação dos meninos, dava-lhes sempre um pacotinho de café, para lhe pagarem quando fosse possível.
Quando o casal ia dormir, pensando que todos já haviam se recolhido, as crianças, em silêncio, iam para a cozinha e faziam café. Comiam pão com café à vontade, nas caladas da noite. Nesse tempo, não havia televisão e as pessoas tinham o hábito de dormir cedo.
Às vezes, o professor e a esposa iam ao cinema à noite, e deixavam as crianças em casa, já deitadas. Elas fingiam que já estavam dormindo. Pouco depois, sob as ordens dos dois irmãos, as meninas se levantavam e todos pulavam a janela que dava para a rua. Era a liberdade total. Brincavam, corriam, jogavam bola, falavam alto, eufóricos por se sentirem livres dos olhos da madrasta.
Os vizinhos, entre eles uma família de turcos, ficavam chateados e ralhavam com os órfãos de mãe, pedindo silêncio. O mais velho, Luiz, muito inteligente, aprendeu a xingá-los com uma expressão turca, que aprendera com um amigo de seu pai. Ele e os irmãos gritavam na calçada dos vizinhos, a expressão aportuguesada, e em coro :
“RALADINA XARAMUTA”. Segundo Luiz, a expressão significava “filho de uma puta”.
Quando se aproximava a hora do término da sessão do cinema, a voz de comando de Luiz, o mais velho, mandava que os irmãos entrassem em casa pela mesma janela por onde haviam saído. O último a pular era ele, que tinha o cuidado de deixá-la bem fechada. Corriam todos para os dois quartos onde dormiam, deitavam-se rapidamente e permaneciam em silêncio. . Já em suas camas, cobertos com seus lençóis, os irmãos fingiam dormir profundamente.
O pai e a madrasta chegavam do cinema, encontravam a casa em silêncio e todos dormindo. No dia seguinte, alguma vizinha fofoqueira ia enredar das crianças, pelo barulho que haviam feito na rua, na noite anterior. O casal ouvia calado, sem acreditar em nada. Afinal, a madrasta havia levado a chave da casa, e as crianças haviam ficado dormindo. Quando voltaram do cinema, elas continuavam dormindo profundamente. Não havia nenhum vestígio de que tivessem saído de suas camas.
Tatá, a antiga ama das crianças, dormia muito cedo e sempre testemunhava a favor delas. Entretanto, a boa serviçal, uma vez por outra, também era vítima das suas traquinagens.
A boa Tatá gostava de fumar cachimbo no seu quarto, antes de dormir. Quando menos esperava, o cachimbo aparecia entupido e não acendia. O cachimbo era a sua única distração, e Tatá ficava irada quando isso acontecia.
Certa vez, Tatá foi fumar seu cachimbo antes de dormir, e ele não havia jeito de acender. Depois de algum tempo, a mulher notou que o cachimbo estava entupido de cocada, feita por ela mesma e que as crianças adoravam. Contrariada, dirigiu-se a todas elas, querendo saber quem lhe fizera a maldade de entupir seu cachimbo. Todas ficaram caladas. Ninguém descobriu o pivô da danação. Mais tarde, ela ouviu as risadas das crianças e a voz do mais velho dizendo:
: “ARARUTA, ARARUTA…QUEM ENTUPIU O CACHIMBO DE TATÁ É UM FILHO DE UMA PUTA”.

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