sábado, 28 de fevereiro de 2015

POESIA POPULAR...

Poeta paraibano Manoel Xudu Sobrinho (1932 – 1985)
Numa meia construção
Eu fui trabalhar de meia
Com meia lata de areia
Meio metro alto do chão
O dono meio enrolão
E eu também meio tolo
Ele me deu meio tijolo
Com meio metro de linha
E na construção só tinha
Meia pedra e meio tijolo.
* * *
Nessa vida atribulada
O camponês se flagela
Chega em casa meia noite
Tira a tampa da panela
Vê o poema da fome
Escrito no fundo dela.
* * *
Deus querendo, todos comem
Que um dia Ele pregando
Mais de cinco mil pessoas
Que estavam lhe observando
Com cinco pães e dois peixes
Comeram e ficou sobrando.
* * *
Eu admiro muito o padre
Que seu conselho tem luz
Toda sua pregação
Nasce nos braços da cruz
Massa de trigo em mãos dele
Vira corpo de Jesus.
* * *
Uma galinha pequena
Faz coisa que eu me comovo:
Fica na ponta das asas
Para beliscar o ovo,
Quando vê que vem sem força
O bico do pinto novo.
* * *
Quanto é bonito a vaca
Se destacar do rebanho,
Dando de mamar ao filho
Quase do mesmo tamanho,
Lambendo as costas do bicho
Porque não sabe dar banho.
* * *
Sou igualmente a pião
saindo de uma ponteira
que quando bate no chão
chega levanta a poeira
com tanta velocidade
que muda a cor da madeira.
* * *
Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que Ele impera no trono divinal.
* * *
O homem que bem pensar
Não tira a vida de um grilo
A mata fica calada
O bosque fica intranqüilo
A lua fica chorosa
Por não poder mais ouvi-lo.
* * *
Sou vulcão, pela cratera,
Suas lavas vomitando,
Sou um trovão estrondando
E corisco na atmosfera.
Meu bigode é de pantera,
Meu rosto não é bonito,
Mas tentação do maldito
Não desmantela o que eu faço.
Eu sou martelo de aço
E você pedra de granito.
* * *
Poesia tão linda e soberana
E tão pura, tão branca igual a um véu…
Está na terra, no mar, está no céu
E no pelo que tem a jitirana.
Ela está em quem vive a cortar cana
Quando volta pra casa ao meio dia…
Está num bolo de fava insossa e fria
Que um pobre mastiga com lingüiça.
Está na paz, no amor e na justiça
O mistério da doce poesia.
* * *
O mar se orgulha por ser vigoroso
Forte e gigantesco que nada lhe imita
Se ergue, se abaixa, se move se agita
Parece um dragão feroz e raivoso
É verde, azulado, sereno, espumoso
Se espalha na terra, quer subir pra o ar
Se sacode todo querendo voar
Retumba, ribomba, peneira e balança
Não sangra, não seca, não para e nem cansa
São esses os fenômenos da beira do mar.
O próprio coqueiro se sente orgulhoso
Porque nasce e cresce na beira da praia
No tronco a areia da cor de cambraia
Seu caule enrugado, nervudo e fibroso
Se o vento não sopra é silencioso
Nem sequer a fronde se ver balançar
Porém se o vento com força soprar
A fronde estremece perde toda calma
As folhas se agitam, tremem e batem palma
Pedindo silêncio na beira do mar
Não há tempestades e nem furacões
Chuvadas de pedras num bosque esquisito
Quedas coriscos ou aerólito
Tiros de granadas de obuses canhões
Juntando os ribombos de muitos trovões
Que tem pipocado na massa do ar
Cascata rugindo serra a desabar
Nuvens mareantes, tremores de terra
Estrondo de bombas, rumores de guerra
Que imite a zoada das águas do mar.

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