terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

PARA QUEM CHEGOU ALÉM DO BOJADOR... A PROSA POÉTICA DE BERNARDO CELESTINO PIMENTEL



               De repente,a súbita impressão de que morro vivo, o que é pior do que morrer depois de morto...
               Acordo no meio da noite e rebobino o meu próprio filme, com certeza, já morri...
               Na certa já sou outra pessoa...
               Com certeza  já sou outro Pessoa...
               Agora sou de éter, gasoso, fluido...estou abaixo dos umbrais, onde não mora ninguém...
               Sinto que já atravessei o Bojador, o cabo das tormentas, o cabo da Boa Esperança...
               Se morre vivo todo dia, quando se olha a linha do horizonte e se vê apenas o que passou,o que é de pedra, o que não flui, o que não pulsa, o que não cintila...
               Bons tempos quando eu olhava o horizonte e só via amanhã,
só via um sol nascente,quando eu entendia as estrelas, e lavava a minha angústia na solidão do mar...
              Agora o amanhã já passou,o sol escureceu em pleno meu verão, e as estrelas me traduzem um sentimento vago, frio,longe da grande noite e da grande festa...
               No horizonte, a vida descrevendo um arco, e aportando no passado, na mesmice, sem dúvida, aporto no mesmo cais...
               Entre eu e mim, uma distância de séculos...
               Entre eu e mim, o tédio,o cinza,o sol é pouco e a noite muito longa, de longe escuto somente ais...
               são os ais do que fui querendo me ressuscitar, eu que só sou o vácuo,o fátuo,a mística,o vapor, o abismo...
               Entre eu e  mim,a imensidão do que passou,toda a solidão do mundo, da infância, da adolescencia,um membro  fantasma,uma saudade profunda,a  foto do meu eu voando...
sozinho,prenho de todas as certezas e vazio de todas as lutas...
               Me faltou ir a guerra, cortar-se, sangrar,nunca morrer...
               Fui mais sensitivo do que motor...
               Perdi o meu tempo pensando...e pensei demais, quando dei por mim, não tinha mais chão nem céu, na minha boca, a lembrança do fel...
               Agora,a certeza de nada, a certeza de tudo, e este nada é tudo...
               Somente a morte ressuscita quem atravessou o Bojador.

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