domingo, 22 de fevereiro de 2015

A POESIA DE MANUEL BANDEIRA



SONHO DE UMA TERÇA- FEIRA GORDA

Manuel Bandeira


Eu estava contigo. Os nossos dominós eram negros e negras
eram as nossas máscaras.
Íamos, por entre a turba, com solenidade,
bem conscientes do nosso ar lúgubre
tão contrastado pelo sentimento de felicidade
que nos penetrava. Um lento, suave júbilo
que nos penetrava...Que nos penetrava como uma espada de fogo...
Coimo a espada de fogo que apunhalava as santas extáticas!
E impressão em meu sonho era que se estávamos
assim de negro, assim por fora inteiramente de negro,
__ Dentro de nós, ao contrário, era tudo claro e luminoso!
Era terça-feira gorda. A multidão inumerável
burburinhava. Entre clangores da fanfarra
passavam préstitos apoteóticos.
Eram alegorias ingênuas ao gosto popular, em cores cruas.
Iam em cima, empoleiradas, mulheres de má vida,
peitos enormes __Vênus para caixeiros.
Figuravam deusas __deusa disto, deusa daquilo, já tontas e seminuas.
A turba, ávida de promiscuidade,
acotovelava-se com algazarra,
aclamava-as com alarido
e, aqui e ali, virgens atiravam-lhes flores.
Nós caminhávamos de mãos dadas com solenidade,
o ar lúgubre, negros, negros...
Mas dentro de nós era tudo claro e luminoso!
Nem a alegria estava ali, fora de mós.
A alegria estava em nós.
Era dentro de nós que estava a alegria,
a profunda, a silenciosa alegria...

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