Moacyr Luz: Já é Carnaval!
Quem sou eu pra aconselhar, mas beber com moderação também é malandragem
Rio - Senti uma pontada nas costas: era a chave da cidade, nas mãos do Rei do Momo, me intimando a acordar pro Carnaval. Convocação com ares de alistamento, obrigatório em todas as vidas, confundo os desfiles na memória, o que vivi, o que ainda me aguarda. Ansiedade da espera, a fotografia na moldura. Lembrei da madrinha Beth Carvalho puxando o bloco Concentra Mas Não Sai na sextafeira que antecede a folia. A “quadra” ocupando a barra de uma esquina de Botafogo, Bar Mandrake, cerveja a balde e euforia nos tamborins com a baqueta de três pontas. O pouco peso da idade permitia combinar um macarrão na sede do Cordão da Bola Preta enquanto o sábado amanhecia.
Amanhã é dia, promete, embora os trombones esbarrem seus graves nos cones que circundam o novo Rio de Janeiro. Granitos forjados desde a Pedra do Sal, Gamboa, negritude brasileira. Tudo salta no asfalto remexido.
Gosto do Barba’s. Nelson Rodrigues Filho honra o título de presidente da agremiação. O bloco presenteia os anônimos passistas distribuindo jatos d’água pelo percurso. Receio pela continuidade dessa tradição. A cidade se manifesta. Transatlânticos, percebidos na paisagem pósPerimetral, despejam no cais a ansiedade dos reprimidos. Vão se espalhar, fugidos do frio de outro hemisfério, por separadas alas das escolas de samba. Elmos com penas de um pavão selvagem, grossas tornozeleiras de inspiração guaranis, apertam a canela branca do russo esbaforido.
Vale tudo. Até nunca mais voltar, novo passaporte, novo sexo. A noite pertence à Sapucaí, o maior teatro popular do mundo. Reis e escravos dividem o mesmo vagão no metrô arredor. Alguns descem a Providência, desembarcam no coletivo da comunidade, separados, às vezes, entre os Correios ou a Central do Brasil. Enormes sacos plásticos escondem a arquitetura das fantasias. Uma fumaça de salsichões e espetos na bandeja areada fecham o cenário. Estou do Acesso, atual Série A, com a Renascer de Jacarepaguá, desfilando ao lado dos compositores da escola, um orgulho.
Uns acordam na Região dos Lagos, outros engarrafados nos becos da Praça Onze. Quem sou eu pra aconselhar, mas beber com moderação também é malandragem. Domingo tem Boitatá, tem a Viradouro homenageando meu irmão e gênio Luiz Carlos da Vila. A Lapa explodindo hormônios, também tem. Tem a cidade costurada pelas serpentinas que descem em espiral de um céu de ilusões, o sorriso do Neguinho na boca de todos nós, a paixão eterna de quatro dias.
Bom Carnaval, rapaziada!
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