quinta-feira, 17 de maio de 2012

A HERANÇA DO CACHORRO...


Um suicida deixou
pra dividir, uma herança.
Que fazia boa ação
tinha plena confiança.
Nem de longe suspeitava
provocar tanta emboança.
Ficou dinheiro e um cachorro
que, entrando na divisão,
transformou-se no pivô
de grande desunião.
Quanto ao dinheiro, foi fácil
de dividir sem questão.
Oitocentos mil reais
foi a quantia deixada.
Como eram quatro herdeiros,
divisão facilitada:
duzentos pra cada um
e eis a partilha encerrada.
Porém restava o cachorro,
animal forte e nutrido,
ostentando belo porte,
pedigree indefinido,
mas que seria impossível
por quatro ser dividido.
Dentre os herdeiros, nenhum
quis do animal abrir mão,
os quatro pelo cachorro
mostrando imensa afeição,
o que fez cada vez mais
aumentar a confusão.
Importante é que o leitor
conheça neste momento
do falecido o que era
cada herdeiro avarento.
Assim, quanto ao parentesco,
darei esclarecimento.
Está claro que a herança
ficou pra quatro pessoas:
o pai e a mãe do finado,
criaturas muito boas,
há muito divorciados
e já um tanto “coroas”.
As outras eram a noiva
e uma ex-namorada.
Cada vez mais a disputa
foi se tornando acirrada,
o que levou a Justiça
a interferir na parada.
Audiência com os quatro
terminava sempre em grito. 
Interesse divergente
é sinônimo de conflito.
E a Justiça é vagarosa
para dar um veredicto.
Na briga pelo cachorro
cada herdeiro prosseguia.
O processo na Justiça
sem pressa alguma corria,
enquanto o tempo passava
e solução não havia.
( 2 )
Mas o dia enfim chegou:
perante plateia imensa,
o juiz, solenemente,
até com voz meio tensa,
deu a público o conteúdo
da esperada sentença.
Disse o magistrado que,
dentro da norma legal,
analisou várias fórmulas,
achando consensual
deixar com os pais do defunto
a guarda do animal.
Deu-se assim por encerrada
naquele instante a disputa.
Mas se engana quem pensar
que ali teve fim a luta.
Nova guerra iniciou-se
entre os dois, inda mais bruta.
A mãe reteve o cachorro,
cuja guarda o pai queria.
Ambos sempre intransigentes,
nem um nem outro cedia.
A Justiça novamente
interveio na porfia.
A população inteira
no caso tomou partido,
afirmando uns que o cão
devia ser do marido,
ao passo que outros achavam
tudo aquilo sem sentido.
( 3 )
A verdade é que o assunto
tomou conta da cidade.
 Era contado em detalhes
por gente de toda idade,
aumentando sempre mais
do povo a curiosidade.
Notando o juiz que o caso
de fato era inusitado,
e  percebendo que o bicho
se achava desamparado,
designou um defensor
para seu advogado.
A sentença agora foi
bastante mais demorada,
pois como sempre a Justiça
não se mostrou apressada,
deixando a população
realmente atordoada.
                                   
Quando menos se esperava,
foi anunciado o dia
em que o juiz a sentença,
afinal, divulgaria.
A notícia circulou
causando grande euforia.
Foi decidido que a guarda
do cão era da senhora.
De posse do animal,
ela não teve demora,
rumando pra residência
com o bicho na mesma hora.
( 4 )
Mas, não querendo deixar
o cidadão infeliz,
nem que ficasse do caso
com alguma cicatriz,
que visitasse o animal,
determinou o juiz.
A cada duas semanas,
fosse até a moradia
onde estivesse o cachorro,
com ele ficando o dia,
mas tratando sempre a dona
com a devida cortesia.
Entretanto, o cidadão,
crendo ser aquilo o cúmulo
da desconsideração,
não suportando o acúmulo
de tamanha humilhação,
acabou baixando ao túmulo.
Foi o mesmo acometido
por um infarto certeiro
que o fulminou, terminando
sem cachorro e sem dinheiro,
para mostrar que o destino,
quando quer, é traiçoeiro.
Sem perder tempo, as mulheres,
ante a morte inesperada
do inditoso cidadão,
cada qual mais apressada
foi pleitear na Justiça
a soma por ele herdada.
( 5 )
A herança que o suicida 
deixara tinha um só fim:
favorecer quatro entes
queridos por ele, enfim.
Jamais pensou de uma guerra
acender o estopim.
A Justiça, deste feita,
surpreendeu na decisão,
não atendendo a nenhuma
das mulheres em questão,
ao concluir que a herança
seria toda do cão.
Como prova, aqui está
da decisão o teor:
“Conforme consta nos autos,
esse é um animal de valor
-¬ assim será nomeado
pra cuidar dele, um tutor.
Quanto aos bens que ele deixar
ao morrer: todo o dinheiro,
inclusive rendimentos
do sistema financeiro,
será tudo do tutor,
doravante o único herdeiro.”
Logo que foi proclamada
esta estranha decisão,
correu por toda a cidade
o germe da ambição,
todo mundo desejoso
de exercer a tal função.
( 6 )
A notícia se espalhou
com grande celeridade,
na população causando
a maior ansiedade.
Era o que mais se falava
pelas ruas da cidade.
Se o blábláblá foi enorme,
não foi menor a cobiça.
A ganância das pessoas
deu motivo a nova liça
que mais lembrava urubus
em disputa por carniça.
Pra resolver o impasse,
foi  proposto um plebiscito
que o Tribunal acatou,
num gesto sábio e bonito,
decidindo desta forma
finalizar o conflito.
Uma data foi marcada
para, soberanamente,
o próprio povo escolher,
de acordo com a lei vigente,
para tutor do cachorro
um cidadão competente.
Abertas as inscrições,
foram sendo habilitados
numerosos candidatos
pela ganância levados.
Em cuidar do animal
todos bastante empenhados.
( 7 )
No dia da votação,
a cidade em polvorosa, 
já fora noticiada
pela mídia,  em verso e prosa.
A herança do cachorro
a deixara, enfim, famosa.
Todos se acotovelavam
em grande expectativa
pelo momento final,
na espera mais aflitiva.
Ambição desenfreada
a muita gente cativa.
No fim, um moço da roça,
amigo dos animais,
pobre em matéria de estudos,
mas rico em ações morais,
foi o grande vencedor
na disputa com os demais.
Raramente vale a pena
uma ambição desmedida
como dessas três senhoras,
em luta quase homicida,
e o cidadão que enfartou,
afinal perdendo a vida.
Esta estória eu escutei
vendo o Programa do Jô.
Só aumentei um pouquinho 
pra valorizar meu show.
Por isso peço desculpas
a quem leu e não gostou.

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