quinta-feira, 17 de maio de 2012

CONHECEI A VERDADE E ELA VOS LIBERTARÁ...


“CABE À IMPRENSA VIGIAR O ESTADO – NUNCA O CONTRÁRIO”

Há vinte anos Pedro Collor deu uma entrevista à revista Veja. As revelações originaram um processo que, sete meses mais tarde, obrigou seu irmão, Fernando Collor, a deixar a Presidência da República. Há sete anos, a mesma revistaVeja flagrou um diretor dos Correios embolsando uma propina. O episódio foi o ponto de partida para a descoberta do escândalo do mensalão, que atingiu em cheio o governo passado e o PT. Agora, Collor e os mensaleiros se unem contra a imprensa num mesmo front, a CPI do Cachoeira.
Criada com o nobre e necessário propósito de investigar os tentáculos de uma organização criminosa comandada pelo contraventor Carlos Cachoeira, ela seria usada, de acordo com o roteiro traçado pelo ex-presidente Lula e pelo deputado cassado José Dirceu, como cortina de fumaça para o julgamento do mensalão.
O plano era lançar no descrédito as instituições que contribuíram para revelar, investigar e levar à Justiça os responsáveis pelo maior esquema de corrupção da história do país. Tamanha era a confiança no sucesso da empreitada que o presidente do partido, Rui Falcão, falou publicamente dela e de sua meta principal: atacar os responsáveis pela “farsa do mensalão“. Tudo ia bem – até que os fatos se incumbiram de jogar o projeto por terra.
Na semana passada, dois delegados da Polícia Federal prestaram depoimento à CPI do Cachoeira. Eles foram responsáveis pelas operações Vegas e Monte Carlo, que investigaram a quadrilha do contraventor. A ideia dos radicais petistas e seus aliados era utilizar a fala dos policiais para comprometer o procurador-geral da República, Roberto Gurgel (que defenderá a condenação dos mensaleiros no julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal), o governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo (transformado em inimigo figadal de Lula desde que declarou que o ex-presidente tinha conhecimento da existência do esquema do mensalão) e a imprensa, que revelou o escândalo.
Fim da mentira: O delegado da PF Raul Marques (à esq.) em sessão secreta na CPI do Cachoeira: a relação entre o redator-chefe de Veja e o contraventor era de jornalista e sua fonte de informações
Nesse último setor, como deixou clara a performance do ex-presidente Collor, encarnado na triste figura deoffice boy do partido que ajudou a tirá-lo do poder, o alvo imediato era o jornalista Policarpo Junior, diretor da sucursal de Veja em Brasília e um dos redatores-chefes da revista. O primeiro depoimento foi do delegado Raul Alexandre Marques, que dirigiu a Operação Vegas. Marques disse aos parlamentares que entregou ao procurador Roberto Gurgel, em setembro de 2009, indícios de envolvimento de três parlamentares – incluindo o senador Demóstenes Torres – com a quadrilha de Cachoeira. Gurgel, conforme o delegado, não teria determinado a abertura do inquérito nem dado prosseguimento à apuração.
Foi a deixa para que petistas dissessem que ele tentou impedir o desmantelamento de uma organização criminosa e, por isso, deveria ser convocado para depor na CPI. O procurador-geral da República reagiu.
Na seara técnica, disse que não abriu inquérito a fim de permitir a realização da Operação Monte Carlo, que desbaratou o esquema de Cachoeira no início deste ano. No campo político, foi ainda mais incisivo.
O que nós temos são críticas de pessoas que estão morrendo de medo do julgamento do mensalão“, afirmou. Ao fustigarem o procurador na CPI do Cachoeira e venderem a tese de que ele não mereceria crédito por ter uma atuação política, mensaleiros e aliados levaram procuradores e ministros do STF a sair em sua defesa.
Mensaleiros, que têm no petista Vaccarezza o seu porta-voz na CPI, queriam convocar o procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Ele defenderá a condenação dos réus do processo do mensalão
Petistas, que chegaram a comemorar o resultado da primeira etapa do plano, agora já não demonstram o mesmo empenho para convocar Gurgel. Em uma conversa recente, o ex-ministro José Dirceu contou ao seu interlocutor o motivo do recuo. “O efeito foi o contrário do imaginado. A única consequência da CPI foi acelerar o processo do mensalão“, afirmou. Lula, o idealizador do plano, também já faz leitura semelhante.
Para ele, a CPI do Cachoeira “tem de ficar do tamanho que está” – ou seja, limitar-se a investigar Cachoeira e seus tentáculos no Congresso e em governos estaduais. Da mesma forma, a ofensiva para desqualificar o trabalho da imprensa já não seria uma prioridade.
Não podemos fazer dessa CPI um debate político ou um acerto de contas entre desafetos“, afirmou o deputado Cândido Vaccarezza, do PT de São Paulo, espécie de porta-voz do grupo dos radicais. A declaração é uma guinada de 180 graus no discurso – guinada essa decidida apenas depois que os fatos, com sua persistente impertinência, se sobrepuseram aos interesses do partido.
Desde a prisão de Cachoeira, a falconaria petista seguiu a tática de disseminar mentiras e omitir uma parte, sempre a mais importante, da verdade. Para isso, não hesitou nem mesmo em recorrer a fraudes e manipulações nas redes sociais da internet. O grupo imputou à equipe de Veja toda sorte de crimes, os quais, esperava, seriam pontuados pelos delegados da PF. E o que disseram os policiais em depoimentos à CPI? Que o jornalista Policarpo Junior aparece lateralmente nas interceptações telefônicas sempre no exercício da profissão, apurando e investigando informações, que não cometeu crime nem trocou favores com a quadrilha e que não trocou “mais de 200 ligações com Cachoeira“.
Na Operação Monte Carlo, apenas dois telefonemas aparecem, segundo o delegado Matheus Rodrigues. Outros ingredientes fizeram a estratégia petista fracassar. O primeiro foi a dificuldade para encontrar aliados que se dispusessem a levar adiante os propósitos meramente políticos e revanchistas do partido. Diversas siglas, incluindo o PMDB, se negaram a aderir à trama. Houve ainda a firme condução dos trabalhos da CPI pelo relator Odair Cunha (PT-MG), que não se dobrou às pressões de facções do seu partido, e a oposição contundente de Dilma Rousseff à estratégia dos radicais.
A presidente considera que, a continuar na direção em que estava, a CPI poderá virar uma disputa de políticos corruptos contra seus acusadores. Dilma está irritada com o presidente do PT, Rui Falcão, que vem defendendo publicamente o ataque à imprensa. Na terça-feira, disse a um auxiliar: “Se algum ministro falar algo parecido com o que o Rui vem dizendo, vai para a rua na hora“.
O ANO EM QUE O PRESIDENTE CAIU Pedro Collor deu o pontapé inicial e os fatos fizeram o resto: PC Farias recolhia propina de empresários para cobrir os gastos de Collor, como no caso do famoso Fiat Elba; vinte anos depois do processo que o levou a renunciar ao mandato, o ex-presidente (à dir., com a ex-mulher Rosane, a “madame que gastava demais”, nas palavras de PC) quer se vingar de quem o investigou
Que forças aparentemente tão antagônicas quanto Collor e os falcões do PT se juntem na CPI com o mesmo e nefasto propósito de desqualificar a imprensa livre pode parecer assustador, mas não deixa de ser também natural. Na política, as convicções balançam facilmente ao sabor das conveniências – para o bem ou para o mal, sendo que a segunda opção é mais frequente. Já na imprensa livre, os princípios não se sujeitam às circunstâncias. O dever de fiscalizar os governos vale para quaisquer governos. E, no caso de Veja, ele foi levado a cabo com o mesmo rigor tanto na gestão lulo-petista quanto na cleptocracia de Collor.
Em 2009, no julgamento que derrubou a Lei de Imprensa, o ministro Carlos Ayres Britto, hoje presidente do STF, usou uma frase de Roberto Civita, presidente do Conselho de Administração do Grupo Abril e editor da revista Veja, para descrever a natureza da relação entre jornalistas e homens públicos:
“Contrariar os que estão no poder é a contrapartida quase inevitável do compromisso com a verdade da imprensa responsável”.
Os réus: Jefferson, Dirceu, Delúbio e Valério devem ser julgados em breve pelo STF. A denúncia que deu origem ao processo partiu de Veja, com prova em vídeo
O jornalismo brasileiro vem cumprindo com vigor sua missão de revelar os casos de desídia e corrupção na esfera pública. Nos últimos anos, têm sido inúmeros os registros de parlamentares, prefeitos, governadores e ministros obrigados a deixar o cargo em razão de revelações feitas pela imprensa e comprovadas pelas autoridades.
A imprensa livre não é ideológica. Não persegue indivíduos nem empreende cruzadas contra partidos ou administrações. Ela se volta, sim, contra os que, no poder, se dedicam à prática de espoliar o bem público, guiados pela presunção da impunidade e pela convicção de estarem acima do bem e do mal. Se alguma lição pode ser tirada até agora do último escândalo em curso na República, ela pode ser resumida em mais uma frase do ministro Ayres Britto:
“À imprensa cabe vigiar o estado – nunca o contrário”.

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