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O governo apresentou nesta terça-feira mais um saco de bondades, com o slogan de “não abandonar a indústria brasileira”. O pacote é menos que o esperado, principalmente para quem sobrevive acossado pela concorrência nos próprios Brics.
A tática de tratar o essencial aos espasmos pode dar certo em outras áreas, mas na planta das fábricas é necessário respeitar o calendário anual. O empresário tem despesas a quitar em todos os 365 dias do ano e o funcionário depende do equilíbrio do mercado para garantir a carteira assinada.
A engrenagem é praticamente a mesma desde a revolução fabril, com o agravante de o sistema não se resumir mais a um embate entre trabalho e capital.
A era dos slogans de cartilha ficou no passado pré-computador. Estamos no século do empreendedorismo, em que qualquer pessoa deve receber a oportunidade de investir em seu talento para crescer.
O jovem tímido se revela craque em informática e logo gera chance de a habilidade com o mundo virtual transformá-lo num empresário. A dona de casa evita o caos do trânsito e transforma a sala de casa numa fábrica de roupas.
Assim acontece com os alimentos, a prestação de serviços e até o homem do campo esforçado que recebe a área e faz dela uma agroindústria.
São esses os que clamam no deserto da falta de financiamento, da ausência absoluta de condições de giro. O governo, que garante não abandonar a indústria, poderia completar a frase: “... não importa o tamanho”.
Evidentemente, os gargalos são abissais para grandes e pequenos, porém o poder de pressão dos micros se resume ao grito diante dos juros em empréstimos, em geral com agiotas clandestinos.
A esperança é que, mesmo aos sustos, a eles chegue a sacola de facilidades sacudidas pelo governo quando a quebradeira se avizinha.
A defesa dos empregos, parte do anúncio da presidente Dilma Rousseff, deve ser observada também a partir dos empreendimentos de fundo de quintal, das lojinhas sem registro, dos feirantes.
Sete em cada dez vagas são abertas pelos descapitalizados microempreendedores, número só não mais incontestável que o índice de fechamento: 90% baixam as portas antes do segundo aniversário, aí incluídas as que sequer chegaram às juntas comerciais para o cadastro oficial.
A redução de juros, que deveria ser generalizada e permanente, é uma das boas novidades, assim como um alívio no peso dos encargos trabalhistas, que esperam ser revistos com urgência. Ao menos, seria desejável que os 25 bilhões de dólares anunciados em reforço para o BNDES fossem direcionados para a turma do Simples.
Enquanto isso, rodovias, portos, aeroportos, ferrovias e a burocracia seguem seu curso, tragando sonhos de todas as extensões.
UM COMENTÁRIO PERTINENTE...
Josias de Souza
A torrente de evidências da ligação promíscua de Demóstenes Torres com Carlinhos Cachoeira não privou o senador apenas de sua antiga biografia. Tirou dele também o senso de realidade.
Imerso em denúncias, Demóstenes decidiu quebrar um silêncio que já durava 15 dias. Neste sábado (7), veiculou um artigo no blog que mantém na internet. O título é instigante: “Um Brasil maior para os pequenos.”
Um leitor apressado poderia imaginar que o senador propugna por um país de dimensões grandiosas. Um Brasil grande o bastante para acomodar pessoas que, como ele, apequenaram-se. Engano.
Lendo-se o texto (disponível aqui), percebe-se que Demóstenes ainda se julga em condições de posar de gigante. Em 13 parágrafos, não anotou uma mísera paralavra sobre a crise moral em que se encontra mergulhado.
Dedica-se no artigo a criticar as medidas de estímulo à indústria anunciadas por Dilma Rousseff há cinco dias. Chama as providências de “saco de bondades”. Sustenta que o pacote “trouxe menos que o esperado”.
Como se nada estivesse sucedendo à sua volta, Demóstenes ainda mantém no cabeçalho do site um selo que já não orna com sua condição de náufrago: “CPI da Corrupção, eu assinei”.
No momento, a única investigação parlamentar com alguma chance de vingar no Congresso é a CPI do Cachoeira. Alheio ao novo cenário, Demóstenes leva os lábios ao trombone para queixar-se da desatenção de Dilma com os “empreendimentos de fundo de quintal, das lojinhas sem registro, dos feirantes.”
Escreve: “São esses os que clamam no deserto da falta de financiamento, da ausência absoluta de condições de giro. O governo, que garante não abandonar a indústria, poderia completar a frase: ‘… não importa o tamanho’.”
Avalia que “os gargalos são abissais para grandes e pequenos”. Mas toma as dores dos “micros”, cujo “poder de pressão se resume ao grito diante dos juros em empréstimos, em geral com agiotas clandestinos.”
Acrescenta: “A esperança é que, mesmo aos sustos, a eles chegue a sacola de facilidades sacudidas pelo governo quando a quebradeira se avizinha.” Há um mês, esse Demóstenes combativo do artigo talvez fosse tomado a sério.
Hoje, arrisca-se a ser visto como um músico do Titanic. A história registra que, no célebre naufrágio, podia-se ouvir dos barcos salva-vidas a orquestra tocando até o fim. A caminho do fundo, Demóstenes recusa-se a ajustar o repertório.
Parece imaginar que ainda há no salão ouvidos dispostos a dar atenção a qualquer nota que não se pareça com uma boa explicação. A última manifestação de Demóstenes antes desse artigo viera em 23 de março, na forma de um lote de notas no twitter.
Numa delas, o senador anotara: “Não faço parte nem compactuo com qualquer esquema ilícito, não integro organização ilegal nem componho algo do gênero.” Desde então, avolumaram-se os grampos telefônicos em que soam as conversas vadias que denunciam o contrário.
A despeito de tudo, Demóstenes serve seu artigo à platéia de costas para os fatos. É como se, sem se dar conta do desnível do chão, o senador atribuísse a vertigem ao redor à má procedência do champanhe servido na embarcação.
Queixa-se no texto da precariedade da infraestrutura no Brasil de Dilma: “Enquanto isso, rodovias, portos, aeroportos, ferrovias e a burocracia seguem seu curso, tragando sonhos de todas as extensões.”
Com água pelo nariz, as caldeiras explodindo do seu lado, os tubarões entrando pelas escotilhas, Demóstenes mantém-se agarrado ao trombone enquanto afunda. Quando cair em si, estará tocando suas últimas notas: “Glub-glub-glub…”
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