quinta-feira, 25 de junho de 2015

O MAIOR POETA DO MUNDO...




Álvaro de Campos (heterónimo de Fernando Pessoa)

Bicarbonato de Soda


Súbita, uma angústia... 
Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma!
Que amigos que tenho tido!
Que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido!
Que esterco metafísico os meus propósitos todos!
.
Uma angústia,
Uma desconsolação da epiderme da alma,
Um deixar cair os braços ao sol-pôr do esforço...
Renego.
Renego tudo.
Renego mais do que tudo.
Renego a gládio e fim todos os Deuses e a negação deles.
Mas o que é que me falta, que o sinto faltar-me no estômago e na circulação do sangue?
Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro?
.
Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?
Não: vou existir. Arre! Vou existir.
E-xis-tir...
E--xis--tir ...
.
Meu Deus! Que budismo me esfria no sangue!
Renunciar de portas todas abertas,
Perante a paisagem todas as paisagens,
.
Sem esperança, em liberdade,
Sem nexo,
Acidente da inconsequência da superfície das coisas,
Monótono mas dorminhoco,
E que brisas quando as portas e as janelas estão todas abertas!
Que verão agradável dos outros!
.
Dêem-me de beber, que não tenho sede!
.
20-6-1930
Poesias de Álvaro de Campos.
.
Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). - 287.

Nenhum comentário:

Postar um comentário