quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

O RELATÓRIO DA COMISSÃO DA VERDADE PRESIDIDA POR PAULO OCTÁVIO CAVALCANTI FILHO

“HISTÓRIA SE FAZ COM DOIS LADOS”, DIZ CAVALCANTI
O criminalista José Paulo Cavalcanti (colunista do Jornal da Besta Fubana), uma das sete personalidades indicadas pela presidente Dilma Rousseff para a Comissão Nacional da Verdade em 2012, disse ao jornal Estado de São Paulo que sempre defendeu que o grupo também investigasse ações dos grupos de oposição armada contra a ditadura militar.
“Ao longo de todo o trabalho eu disse que teria sido melhor se gente pudesse contar, no relatório final, o que houve com os dois lados”, contou.
Ele afirmou ver com simpatia a divulgação de listas de pessoas mortas por grupos de esquerda nos chamados anos de chumbo.
“A história vai se fazer a partir do confronto dos dois lados.”
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ENTREVISTA
A divulgação do relatório final da Comissão da Verdade, com a lista de vítimas de graves violações de direitos humanos na ditadura, trouxe de novo a questão das vítimas de ações de grupos da esquerda no período. Listas desse tipo voltaram a ser divulgadas. Como o senhor vê isso?
Vejo com enorme simpatia que o outro lado também conte sua história. Sempre achei que seria melhor contar os dois lados. Nunca escondi isso na Comissão da Verdade. As pessoas têm o direito de conhecer os dois lados. A história vai se fazer a partir do confronto e exame dos dois lados.
Por que só se analisou um lado?
Diante da limitação do tempo e da tarefa monstruosa que tínhamos pela frente, prevaleceu a ideia de que deveríamos dar atenção ao lado que nunca pôde contar a sua história. Nunca houve nenhum impedimento para que o lado que ganhou a batalha contasse tudo. Só existia censura para o lado de quem perdeu.
Foi a decisão certa?
Não sei, mas foi a decisão tomada. Meus colegas sabem quantas vezes eu disse que teria sido melhor se a gente pudesse ter relatado o que houve com os dois lados. Se você se der ao trabalho de ler e entender o ambiente que levou ao golpe de 1964, vai ver que não havia um confronto entre um projeto autoritário e outro legalista. Sempre entendi que existiam dois projetos autoritários. A gente tem que fazer história com menos emoção e um pouco mais de razão.
O sr. ou alguém da comissão chegou a iniciar um levantamento sobre as vítimas dos grupos do lado de lá?
Não. Eu conheço particularmente dois casos daqui de Pernambuco. O primeiro foi o de um gerente da Souza Cruz (fabricante de cigarros, do grupo British American Tobacco). Era um pai de família, que ia para casa com o salário e foi assassinado com a justificativa de que estava a serviço de uma multinacional. Esse caso me tocou muito. O segundo foi o atentado no Aeroporto dos Guararapes. O responsável pela ação vive hoje em Portugal. Também sei de pessoas de organizações de esquerda mortas pelos próprios companheiros.
Sabe quantas pessoas teriam sido mortas desse lado?
No começo do trabalho da comissão, recebi pela internet um relatório de pessoas ligadas às Forças Armadas com 118 nomes. Os casos todos eram descritos com pouca técnica e de forma não muito confiável.
O sr. é uma voz isolada. Os outros integrantes da comissão sempre disseram que ela foi instituída para investigar crimes cometidos pelo Estado. O sr. também foi o único que não votou pela revisão da Anistia.
Isso nunca ficou muito claro. Quando estivemos com a presidente da República, as palavras dela, textuais, foram, abre aspas: “Não estou preocupada com a Anistia. O que eu quero mesmo é encontrar os corpos, o máximo possível, para devolver às famílias, para que sejam dignamente velados e enterrados. Quando isso não for possível, quero contar a história. A família tem o direito de saber o que aconteceu com seus mortos”. Fecha aspas.
JPCF
Cavalcanti (esq.) e outros integrantes da comissão entregam relatório final a Dilma no Planalto
A comissão fez isso?
Fizemos. Indicamos o número de mortos e descrevemos as mortes. Dos desaparecidos, um quarto dos casos está praticamente resolvido. O mais recente foi o do Stuart Angel Jones (desaparecido desde 1971). Um dia antes da divulgação do relatório final, tivemos a resposta de um instituto de Londres, que, a partir do crânio, reconstitui o rosto e diz como seria em vida. Enviamos a eles um crânio descoberto numa base da Aeronáutica, no Rio, e recebemos o rosto de Stuart Angel. Falta comparar o DNA com a irmã dele, Hildegard Angel. E se confirmar, como se espera, será mais um identificado.
Mas ainda existem muitos outros.
Infelizmente, esse trabalho não vai ser para nós, da comissão. Fizemos o que foi possível.

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