domingo, 14 de dezembro de 2014

ANTIGAMENTE EM NOVA CRUZ...



Seu Bezerra era um honrado comerciante de Nova-Cruz (RN). Muito religioso, era presidente da Confraria de São Vicente de Paula, da Igreja Católica. Não se interessava por política e era muito conservador.
Em décadas passadas, nas cidades do interior do estado, falava-se em comunismo como se fosse coisa do inferno. O comunista era considerado um anticristo. Havia escolas onde se ensinava às crianças que comunista era “papa-figo”, pois pegava meninos para tirar o fígado. Quem tivesse fama de comunista era discriminado para o resto da vida.
Quando se espalhou na cidade a notícia de que em Nova-Cruz havia comunistas, foi um escândalo.
Um conhecido médico de Natal (RN), comunista declarado, foi a Nova-Cruz fazer uma palestra a favor do comunismo, e foi hospede de Paulo Bezerra, filho de Seu Bezerra. O evento seria realizado no cinema Eden, de propriedade do próprio Paulo. O médico passou dois dias em Nova-Cruz, consultando e medicando pessoas carentes. Na cidade, apareceram faixas instigando o povo a não assistir à tal palestra.
Na Missa do domingo, o Padre Pedro, seguindo a linha da igreja católica, aproveitou o sermão para atacar os comunistas da cidade, citando nomes e estimulando a discriminação contra eles. A repercussão foi grande!Frei Damiao - William J Medeiros
Seu Bezerra, o pai de Paulo, tomou as dores do filho e se revoltou contra o padre. Chegou em casa muito contrariado e jurou que, daquela data em diante, iria se afastaria da Igreja. Entregou a presidência da Confraria de São Vicente de Paula, deixou de ir à Missa e de se confessar.
Nesse ínterim, o padre Pedro se recusou a celebrar o casamento religioso de Paulo Bezerra, alegando que ele não era cristão, pois era um comunista. Por insistência de uma irmã de Paulo, o padre concedeu aos noivos uma licença para que eles casassem na diocese de João Pessoa (PB).
Vinte anos depois, Nova-Cruz parou para receber a evangelização através das Santas Missões, tendo à frente Frei Damião de Bozzano.
As Santas Missões movimentavam a cidade e a população católica lotava a igreja. Havia sequência de atos religiosos durante todo o dia, começando com a missa ao amanhecer. Havia confissão durante doze horas seguidas, em horários separados para homens, mulheres e jovens. A confissão no horário noturno era reservada aos homens, prolongando-se até meia-noite.
Com a chegada das Santas Missões, Seu Bezerra disse para si mesmo que iria fazer as pazes com a Igreja. Queria se confessar a Frei Damião, que, para ele, era um santo. Ao Padre Pedro, jamais voltaria a se confessar. Ainda guardava mágoa por ele ter chamado seu filho de comunista, na Missa do domingo.
Seu Bezerra encaminhou-se à Igreja e entrou na fila dos homens, para se confessar a Frei Damião. Quando chegou a sua vez, o confessor lhe fez a pergunta de praxe:
- Há quanto tempo o irmão se confessou?
Seu Bezerra respondeu:
- Há vinte anos! Deixei de me confessar porque o padre daqui é muito ignorante e disse no sermão da missa do domingo que meu filho era comunista. Fiz uma jura de nunca mais ir à Igreja. Resolvi me confessar agora porque o Senhor, Frei Damião, é um homem santo, um verdadeiro filho de Deus.
O confessor ouviu o desabafo de Seu Bezerra e lhe disse calmamente:
- Eu quero lhe pedir perdão pelo erro que cometi há vinte anos, quando falei mal de seu filho na Missa do domingo. Guardo esse peso na consciência. Frei Damião foi jantar e quem está lhe confessando sou eu, Padre Pedro.
Seu Bezerra nada respondeu. Saiu da Igreja acabrunhado e revoltado, como um menino que acabara de receber um castigo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário