domingo, 25 de maio de 2014

UMA CRÕNICA DO MEIO DA RUA...POR BERNARDO CELESTINO PIMENTEL

O FILHO DO PEDINTE


Por Bernardo Celestino Pimentel


Eu garimpo os gestos e as emoções. E observo tudo.
Sou um homem brevilíneo, ciclotímico, com a seta da vida pra fora. O que sinto é sabido à distância, não guardo segredos, abdiquei da função de BAÚ E DE TÚMULO. Vivo de música e poesia De sonhos! Nasci pra sala de aula, onde ainda pontifico.

Tenho curiosidades, aprendo todo dia, todo mundo é meu professor, a observação me ensina.
A minha esposa é o protóripo de um Miranda. Leptossomática, nariz arrebitado e fino, circunspecta, a seta da vida é pra dentro, coleciona segredos, vive em introspecção, sonha somente o possível e o necessário, calcula, investiga, tem o faro de um Doberman. Pois bem, ontem ela fugiu a regra e me disse: "gostaria que você escrevesse sobre o que eu ví, você que é poeta, sabe gritar as coisas, com emoção e empatia. E continuou. Estava 
saindo do Midway, a coisa mais perfeita de NATAL, FEITA PELO HOMEM, quando ví um pai, provavelmente um pedinte, com uma criança nos braços, de mais ou menos dois anos. Uma criancinha magra, miúda, sem a bola gordurosa de Bichat, portanto com facies semiescas, mãos pequenas, unhas pretas de sujo. Olhei para a mesma e disse: vou lhe dar um pacote de biscoito recheado, da minha feira". Aproximou-se da dupla, pai e filho e disse: "tome estes biscoitos"! A criança, neutra, sem acreditar pegou o pacote com uma mão, a outra mão apertava algo, ao receber o biscoito, ela estendeu a outra mão, abrindo-a, e deixou cair na mão de Gracinha, duas pratinhas de dez centavos. Era o seu pagamento. Gracinha ficou impressionada com o gesto da criança, que sabe que ninguém dá nada a um filho de um pedinte, que o mundo não gosta de pobre. Com dois anos de vida, ela já percebeu a indiferença do mundo à pobreza, à indiferença aos filhos dos pedintes: gente que a gente não vê, porque é quase nada!
Gracinha devolveu as moedinhas e pegou o pacote de biscoito para abri-lo e ver o menino saboreando-o. Entregou o biscoito para ser degustado. A criança segurou o biscoito, e outra vez, abriu a mão fechada, deixou cair novamente, os vinte centavos. Ela queria pagar, ela, com apenas dois anos, aprendeu a indiferença do mundo. Nenhum sorriso, só o gesto de sobrevivência: comer!
Surpreendi-me duas vezes nesse episódio: primeiro pela observação de Gracinha, e segundo por que as coisas do mundo me emocionam e me constrangem. Às vezes eu sinto o que Caetano quis dizer: "Meu coração vagabundo/ quer guardar o mundo/ em mim..."


Dr. Bernardo Celestino Pimentel

SÓ DEUS É SUFICIENTE
SÓ DEUS, É SUFICIENTE
SÓ, DEUS É SUFICIENTE!

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