OS CRITÉRIOS DA MORTE
Há algum tempo me encontrei com a morte, não faz muito tempo. A vi cara a cara, olho no olho! Cazuza tinha razão. Ela vive!
Não hesitei, puxei conversa, comecei elogiando, porque se até os sábios gostam de elogios, visto que é regra geral:
- Parabéns por ser implacável e justa!
A morte já começou a ficar vulnerável, sorriu pra mim. Tive medo que ela me gostasse e me quisesse consigo. Tremi sem disfarçar. Por um minuto me arrependi por ter iniciado tal diálogo. Podia ter passado despercebida ou até me escondido dela.
Ela botou a mão esquerda sobre meus ombros, por uma fração de segundo me senti protegida. Depois caí em mim. Recuperei a razão e, com ela, o meu medo . Não consegui me mover, nem mover um dedo, nem pensar, nem enxergar um palmo diante de meu nariz.
Ela falou:
- Não sou justa como pensam maioria dos mortais. Levo a todos mas tenho meus critérios de prioridade. Tem alguns que levo primeiro e outros, obviamente, deixo pra depois. Logo se vê que a injustiça é a característica mais viável para mim. Sou injusta e, muitas vezes, sou fria e calculista. Não sei como você pôde ver justiça em mim.
Eu tentei redizer o dito, dar um retoque:
Apenas vejo que a senhora leva a todos, mais tarde ou mais cedo, independente de credo, etnia, cor, entre tantos outros…
Não sei como consegui proferir essas palavras. Eu estava fria, verde e desesperada. Vi que diante da morte a gente perde as forças, perde o orgulho, perde o rumo, perde completamente a razão. A gente fica pequeno diante da morte. Pequeno não. A gente fica invisível. A gente vira um nada.
Respirei… precisava ter certeza de que estava viva. Respirei.
Pela insistência da curiosidade, busquei forças, não sei onde, clamei a Deus em silêncio. Pedi uma segunda chance e indaguei a morte:
- A senhora me disse que leva uns antes outros depois. Quem são esses? Que critérios usa na divisão desses dois grupos?
Primeiro levo os bons. Os bons agradam a muitos, são sem sal e sem açúcar e conseguem espalhar felicidade. Não gosto da alegria da maioria. Isso me irrita! Deixo pra depois os sábios e os tolos : esses irritam a quase todos e me divirto com as pataquadas deles, conservo-os, por mais tempo entre os vivos, para agonia dos mortais.
Fiquei feliz: não pude disfarçar, já vi, de primeira, que eu não iria de pronto, poderia me enquadrar num dos grupos dos que vão depois, me pus a pensar em mim: Estava a salvo!
Já nem precisei buscar forças. Falei com facilidade total e fluência de voz:
- Há algum grupo que a senhora não gostaria de levar?
- Sim. Existem alguns poucos mortais que conseguem ser sábio e tolo ao mesmo tempo. Esses irritam mais que quase todos! São os quase imortais!!!
Prendi, não sei como, uma gargalhada!
Me esforcei, pois me restava ainda uma esperança de imortalidade a alguma criatura dessa terra e, que por certo, não me perdoaria por ter deixado de fazer tal pergunta:
- Morte, na sua sabedoria e critérios, já tornou algum terrestre imortal?
- Sim. Recentemente consegui essa conquista! Imortalizei um grupo, com o qual não consigo conviver, sendo assim, tenho certeza de que é a turma que consegue perturbar a todos! Se trata dum grupo bem grande: esse consegue irritar a todos. Rasgam, amassam e jogam no lixo os padrões socialmente estabelecidos, “piadizam” sábios, tolos e bons, debocham de Deus, do diabo e até de mim. Se auto intitulam artistas: são os loucos!
O silêncio tomou conta de mim…
Saí andando para trás: de costas pra mim, de frente para a morte! Mantive meu olhar fixo nela .Tive de medo cuidar o caminho e ser pega de surpresa. Não hesitei em seguir ao contrário. Não tive coragem de me despedir …
Fui, paulatinamente, me distanciando da morte…
MARIZA LIMA DE SOUZA”
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