segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

sobre a esperança...


Cícero Cavalcanti

Nunca fui capaz de conviver com a esperança.

Sua inexistência parece ter sido criada para dar densidade sem matéria à indiferença humana.

Esperança é o que não é possível, nem permitido, e que nunca será realizado.

Até porque esperanças realizadas falecem como esperanças, marcando o princípio e o fim do que nasce sem existir e permanece eternamente inexistindo.

Para ser esperança a pretensão humana precisa passar por um critério de grandeza. Esperanças pequenas e individuais não são esperanças, são anseios, são desejos humanos, na maioria das vezes factíveis a não ser por falta de esforço e de trabalho.

Verdadeiras esperanças devem ser consensuais. Devem ser imensas para que nelas caibam, se não todos, o maior número possível de seres humanos.

E também infinitamente cruéis por dizer não, impiedosamente.

Esperança é o alívio para os que se contorcem em dores. E só existirá enquanto persistir o sofrimento.

Esperança é o pão que alivia a fome. E como ainda vai longe o tempo da finada fome, esta sobreviverá como fundamento da esperança.

Esperança é um dia vermos a parceria humana. Apenas uma ilusão doce a alimentar o monstro da eterna espera.

Esperança é a destruição da desigualdade monstruosa em troca de uma desigualdade menor e suportável. É a honestidade e a justiça. É a oportunidade pequena, mas capaz de provocar inumeráveis sorrisos. Apenas esperança.

Esperança é um expectro. Algo indecifravel que teima em dizer que um dia caminharemos juntos.

Que um dia há de haver gente honesta no andar de cima.

Que um filho recém-nascido será guiado, no futuro, para o caminho da honestidade e do trabalho.

Que haverá educação com nível para todos. Dentaduras. Roupas de frio. Comida. Médicos, remédios e saúde.

Apenas esperança. Aqueles que podem tranformá-la em realidade, sobrevivem exatamente dela. E a incentivam, quando a espalham inescrupulosamente por sobre toda a desesperança .

Nunca fui capaz de conviver com a esperança.

Não quero esperar nada, por ser em vão.

Quero agora, quero receber agora.

E quando sei que a esperança é a ultima que morre, a desesperança aumenta.

Essa cruel não se sabe quem criatura, continuará existindo em sobrevida, após a última vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário