sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A POTENCIA DO REMÉDIO...

UM TEXTO DE GERALDO BERNARDO


O PODER DO VIAGRA

Saí para comprar pasta d’água na farmácia de Gomes e aproveitar e pedir um patrocínio, nem que fosse de uma pasta d’água. Sexta-feira, dia de pagamento de aposentadoria e último dia útil antes do feriadão. Um ruge-ruge da peste e eu me equilibrando na garupa de um motoqueiro, ao custo de dois reais (preço de ônibus na capital em trajetos muito mais longos) e com um capacete duas vezes menor que minha cabeça.

Um verdadeiro rali. Teve rua cheia de lama, calçamento, asfalto e um buraco jorrando água em plena rua Jaguarari, em frente ao Bar do Mário, onde a filosofia corre solta. Jornada para Indiana Jones, o piloto entrava na frente dos carros parados no semáforo e antes de abrir o sinal, jogava-se mortalmente na frente dos veículos ensandecidos da Avenida Salgado Filho. E, seguia reclamando do poder publico. Dizia que na sua profissão só havia sido legalizado as obrigações, que era caro tirar Alvará, mas não tinha sinalização; que tinham tirado os clandestinos da rua, mas não tinham definido as praças e, finalizando: também, a gente não tem nem um sindicato de verdade.

Pareceu-me que uma platéia aguardava minha entrada na botica do Gomes. Deu apenas o tempo de cruzar a porta de vidro, entrou um velhinho, uns setenta e cinco (ou mais) de idade. Estou fazendo rapapé ao meu mecenas quando aquele senhor curvado e usando bengala pediu uma caixa de comprimidos Viagra. Gomes determinou que o seu ajudante, um rapagote aprendiz e impúbere, entregasse o remédio ao senhor que já foi perguntando quanto era - quatrocentos contos a caixa – respondia Gomes e voltou a conversar comigo, enquanto o cliente ia pegando a bula para ler.

Nesse momento entram duas moças vestidas com aquelas calças baixas, sabe, aquelas que deixam as “bordas de catupiri” bem salientes (é isso mesmo, os culotes). Uma delas já foi dizendo que a saúde ali não prestava, que médico só fazia consultar e mais nada, que ia tomar “chá da receita” que o remédio era caro demais que ela não podia comprar e et cetera e coisa e tal e pediu ao balconista um xampu e um protetor solar nível cinco.

A amiga da outra, querendo mostrar-se entendida em discutir saúde pública e cidadania, foi logo dizendo que lá na cidade do marido dela também era a mesma coisa, o SAMU atendia mal, faziam-se requisições médicas que demoravam meses para serem atendidas, médicos não cumpriam os expedientes e disse mais, falou que ia aproveitar que tava ali pra comprar umas pastilhas de magnésia bizurada pro pai dela – “pois ele, minha filha, tá esperando, com a requisição pra fazer uma endoscopia já faz mais de quatro meses e nada”.

De repente, parou um caminhão de entregas, chegou também o carteiro – um sionista sindicalista – o telefone tocou. Ao acabar a conversa ao telefone o Gomes tenta encontrar uma maneira de atender a todos e percebe que o velho sumiu com a caixa de Viagra. Gomes é homem bom e manso, mas é patrão, fechou a cara, disse-me que o aguardasse e foi despachando a todos, recebendo, pagando, assinando e conferindo. Ao fim chamou seu ajudante e em tom bem capitalista resolver dividir com o empregado o prejuízo. O rapaz de cabeça baixa e Gomes dizendo: Se continuar assim estamos fodidos, eu e você, fodidos. Vamos dividir, duzentos paus pra cada um e não se fala mais nisso. O garotote não tossiu nem mugiu.

O Gomes e eu, estávamos nas considerações finais, ele dizia:

- Ás vezes o expediente fica meio chocho, mas, quando é dia de pagamento da aposentadoria. Virgem! Nossa Senhora! É um desmantelo só. É um entra e sai da gota serena. Dá dó de ver.

Ajeito o chapéu e faço finca-pé pra sair quando entra outro aposentado e como que ensaiado já vai dizer que quer “aquele comprimido”, o ajudante que estava desconsolado num canto apressa-se em atender o vovô cliente, talvez até como um ato de remissão da falha anterior. E repete-se a pergunta de sempre – é bom?

E, aquele cabrinha de penugem no lugar do bigode, respondeu com a mais fina ironia.

- Deve ser muito bom. Ora! Antes do senhor passou aqui outro freguês e não precisou nem comprar, nem tomar, pra foder com o dono e o empregado da farmácia.

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