16 abril 2015A COLUNA DE JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO
POSSE
Discurso pronunciado por este colunista, de improviso, representando os advogados por indicação da OAB, na posse do Desembargador Federal Marcelo Navarro como Presidente do TRF, 5ª Região, Recife, no dia 8 de abril 2015
Em 1835, Tocqueville descreveu (De la Démocratie en Amérique) as três principais características do judiciário de seu tempo: servir de árbitro, só agir quando solicitado, se pronunciar sobre casos particulares e não sobre princípios gerais. Já Platão, bem antes (República), falava nas três almas dos homens – pensamento, ira e paixão. Nesse mesmo caminho, aqui se fará uma breve reflexão sobre quais deveriam ser as três almas de um poder judiciário moderno e a serviço da democracia.
1. O juiz deve julgar segundo sua consciência. “O drama do juiz é a solidão. Não conheço ofício que exija tão viril dignidade”, palavras de Piero Calamandrei (Elogio dei Giudici Scritto da um Avvocato – estranhamente traduzido, na versão portuguesa da Classica Editora, de Lisboa, por Eles, os Juízes, Vistos por Nós, os Advogados). Consciência, meus senhores, e não interesses. Nesta semana, o advogado de um tesoureiro de importante partido no poder, teve a coragem de dizer: “A pressão é tão grande que os juízes acabam violando suas convicções pessoais”. O que é quase um insulto. Como se os Juizes devessem estar permanentemente à disposição dos governos. Ou estivessem impedidos de ser independentes. Ou pudessem ficar à margem do clamor das ruas que se expressa, hoje, contra a corrupção entranhada na vida pública brasileira.
2. O juiz deve julgar rápido. Também nesta semana, a Folha de São Paulo afirmou, em editorial: “Uma justiça tardia pode bem ser o equivalente da iniquidade completa”. O que sem dúvida é verdade. Justiça que tarda não é justiça. Certo que o acúmulo de processos, nos gabinetes dos juízes, decorre de muitos fatores: o adensamento da urbanização, com surtos de pobreza, exclusão social e marginalização; o aumento no número de relações econômicas, potencializadoras de litígios; o incremento do consumismo; a deificação do lucro; a erosão de conceitos éticos básicos, como correção e boa fé; a progressiva insensibilidade social em relação aos interesses coletivos. E certo, igualmente, que a busca por uma justiça que seja justa, eficiente e pronta, deve ser tarefa comum dos juízes e dos advogados.
3. O juiz deve julgar também contra os poderosos. Já não apenas pesando sua mão sobre o indeterminado cidadão comum. Max Weber (Ética da Convicção e Ética da Responsabilidade) falava, 100 anos atrás, de uma “ética das responsabilidades” – que seria a dos homens públicos. Em oposição à “ética das convicções”, dos homens comuns. É que a individual, meus senhores, a de cada um de nós, é uma ética dos meios. A partir da compreensão de que ser correto é um fim em si mesmo. Enquanto a coletiva, dos homens públicos, parece nos tempos atuais reduzida só a uma ética dos fins. Aproveitando a linguagem sindical, uma ética dos resultados. Como se os fins, quaisquer que sejam, justificassem o abandono dos meios. Como se pudesse haver fins virtuosos por meios tortos. Como se a correção, em uma dimensão ética, fosse algo obsoleto entre os políticos de agora. Generalizar é sempre um risco, meus senhores. Não são todos, claro. Mas são a maioria, infelizmente. Tornando atual a bem conhecida sentença do mestre San Thiago Dantas: “No Brasil o povo, enquanto povo, é melhor que as elites, enquanto elites”. E o judiciário faz parte desse esforço, que deve ser coletivo, por um país mais limpo e mais livre.
Tocqueville, 200 anos antes, dizia que o judiciário “É um dos primeiros poderes políticos”. Jacques Attali vai mais longe (Dictionnaire du XXIe Siècle), prevendo que “A justiça será o primeiro poder. Ela imporá uma nova norma ética, mais severa contra os crimes dos poderosos e menos rigorosa para os delitos dos mais frágeis. Ela organizará a eliminação sistemática das velhas elites”. Assim seja, pois.
Minhas senhoras, meus senhores. A Igreja Católica ensina, com o mistério da Santíssima Trindade, que três podem ser convertidos em um. Assim, nessa trilha, resumo essas três almas de um judiciário democrático em palavras de meu velho pai, num discurso de paraninfo que fez no fatídico ano de 1964, o da Redentora. Disse José Paulo Cavalcanti, do ofício de julgar: “Sendo o mais alto e o mais difícil, também será o mais belo. Porque os juízes que põem a integridade do seu espírito, sua resistência na fidelidade ao ideal do Direito, por cima dos seus próprios interesses, de todas as difamações, de todas as pressões da força, terão chegado aonde pode ir a grandeza do homem”. Essa é a mensagem que trago, hoje, nesta sala.
Senhor Presidente Marcelo Navarro. É uma grande honra presidir esse que é o melhor Tribunal Regional Federal do Brasil. Uma grande honra, sem dúvida. Em contrapartida, o senhor também honra esse Tribunal, ao presidi-lo. Em grau máximo. É uma troca justa. A Ordem dos Advogados do Brasil deseja a V.Exa., e aos que consigo tomam posse, na direção desta casa, que sejam felizes na enorme tarefa que agora se inicia.
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