O BARALHO
Durante uma Missa, num dia de festa, celebrada na Capela de um Quartel Policial Militar, o sargento observou que um dos soldados, ao invés de acompanhar o rito religioso no livro próprio, tirou da algibeira um baralho, passando todo o tempo a analisar os naipes e cartas, sem dar atenção ao que se passava no altar. O policial olhava as cartas, demoradamente, com ar de quem estava meditando.
O austero sargento repreendeu o soldado, ordenando-lhe a acompanhá-lo, depois da Missa, à sala do Comandante. Indiferente ao que tinha ouvido, o soldado continuou olhando uma por uma as cartas do baralho.
Terminada a Missa, e obedecendo à ordem do sargento, o soldado o acompanhou à sala do Comandante, para que fosse registrada a suposta falta disciplinar por ele cometida, passível de punição.
O soldado, com a pobreza estampada no rosto, pediu desculpa ao Comandante e procurou justificar o seu comportamento durante a Missa.
O Comandante estranhou a ocorrência e deixou que o soldado falasse:
- Sr. Comandante, se eu errei perante os olhos do sargento, sei que não errei perante os olhos de Deus! Não me sobra dinheiro para livros. Em nenhum momento perturbei a Missa. Permaneci calado durante todo o tempo. As coisas são boas ou más, dependendo de quem interpreta. Os naipes e cartas do baralho são o meu livro de orações. Para mim, substituem os livros devotos e espirituais, como eu passo a vos provar:
AZ – Lembra-me um só Deus, criador do Céu e da Terra;
DOIS – O Velho e o Novo Testamento;
TRÊS – O mistério da Santíssima Trindade;
QUATRO – Os quatro Evangelistas.
CINCO- As virgens prudentes que foram adiante do Esposo com as lâmpadas acesas, enquanto as outras cinco, chamadas néscias, foram excluídas por terem as suas apagadas.
SEIS – A criação do mundo em seis dias.
SETE – O descanso do Senhor ao sétimo dia.
OITO- As oito pessoas que se salvaram do dilúvio, a saber, Noé, seus três filhos e suas mulheres.
NOVE- Os nove leprosos; eles eram dez, mas só um soube render graças ao Salvador.
DEZ- Os Mandamentos da Lei de Deus.
DAMA- A rainha de Sabá e a sua visita a Salomão.
VALETE – Judas, que por trinta dinheiros vendeu Jesus Cristo.
REI – O do Céu e o da Terra, a quem devo servir; ao do Céu, como meu Soberano.
As cinqüenta e duas cartas do baralho lembram-me muito as cinqüenta e duas semanas do ano, as doze figuras, os doze apóstolos e os doze meses. Este baralho me serve de Velho e Novo Testamento, de Catecismo, de folhinha e de divertimento.
O Comandante ouviu a narrativa do soldado, e, com uma certa ironia, falou:
- Notei uma falta na sua relação. Ao Valete também chamam “cavalo”…Que ideia vos recorda esse animal?
O soldado respondeu:
- O cavalo, Sr.Comandante, é o sargento que aqui me trouxe. A atitude dele representa o coice desse animal.
O Comandante ficou sensibilizado, diante do que ouvira do soldado…
O caso não deu em nada.
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