Severino de Andrade Silva, mais conhecido como
Zé da Luz, nasceu na cidade paraibana de
Itabaiana em 1904, foi um alfaiate de profissão e
poeta popular brasileiro; morreu no Rio de Janeiro em 1965
* * *
A CACIMBA
Tá vendo aquela cacimba Lá na bêra do
riacho,
Im riba da ribancêra,
Qui fica, assim, pru dibaxo
De um pé de tamarinêra?
Pois, um magote de môça
Quage toda menhanzinha,
Foima, assim, aquela tuia,
Na bêra da cacimbinha
Tomando banho de cuia!
Eu não sei pru quê razão,
As águas dessa nacente,
As águas qui alí se vê,
Tem um gosto deferente
Das cacimba de bêbê…
As águas da cacimbinha
Tem um gôsto mais mió.
Nem sargada, nem insôça…
Tem um gostim do suó
Dos suvaco déssas môça…
Quando eu vejo essa cacimba,
Qui inspio a minha cara
E a cara torno a inspiá,
Naquelas águas quilara,
Pego logo a desejá…
…Desejo, pra que negá?
Desejo ser um caçote,
Cum dois óio desse tamanho!
Pra vê, aquele magóte
De môça tumando banho!
* * *
BRASI CABOCO
O qui é Brasí Caboco?
É um Brasi diferente
do Brasí das capitá.
É um Brasi brasilêro,
sem mistura de instrangero,
um Brasi nacioná!
É um Brasi diferente
do Brasí das capitá.
É um Brasi brasilêro,
sem mistura de instrangero,
um Brasi nacioná!
É o Brasi qui não veste
liforme de gazimira,
camisa de peito duro,
com butuadura de ouro…
Brasi caboco só veste,
camisa grossa de lista,
carça de brim da “polista”
gibão e chapéu de coro!
Brasi caboco num come
assentado nos banquete,
misturado cum os home
de casaca e anelão…
Brasi caboco só come
o bode seco, o feijão,
e as veiz uma panelada,
um pirão de carne verde,
nos dias da inleição
quando vai servi de iscada
prus home de posição.
Brasi caboco num sabe
falá ingrês nem francês,
munto meno o português
qui os outros fala imprestado…
Brasi caboco num inscreve;
munto má assina o nome
pra votar pru mode os home
Sê gunverno e diputado
Mas porém. Brasi caboco,
é um Brasi brasileiro,
sem mistura de instrangero
Um Brasi nacioná!
É o Brasi sertanejo
dos coco, das imbolada,
dos samba, dos vialejo,
zabumba e caracaxá!
É o Brasi das vaquejada,
do aboio dos vaquero,
do arranco das boiada
nos fechado ou tabulero!
É o Brasi das caboca
qui tem os óio feiticero,
qui tem a boca incarnada,
como fruta de cardoro
quando ela nasce alejada!
É o Brasi das promessa
nas noite de São João!
dos carro de boi cantano
pela boca dos cocão.
É o Brasi das caboca
qui cum sabença gunverna,
vinte e cinco pá-de-birro
cum a munfada entre as perna!
Brasi das briga de galo!
do jogo de “sôco-tôco”!
É o Brasi dos caboco
amansadô de cavalo!
É o Brasi dos cantadô,
desses caboco afamado,
qui nos verso improvisado,
sirrindo, cantáro o amô;
cantando choraro as mágua:
Brasi de Pelino Guedes,
de Inácio da Catingueira,
de Umbelino do Texera
e Romano de Mãe-d’água!
É o Brasi das caboca,
qui de noite se dibruça,
machucando o peito virge
no batente das jinela…
Vendo, os caboco pachola
qui geme, chora e soluça
nas cordas de uma viola,
ruendo paxão pru ela!
É esse o Brasi caboco.
Um Brasi bem brasilero,
sem mistura de instrangêro
Um Brasi nacioná!
Brasi, qui foi, eu tô certo
argum dia discuberto,
pru Pêdo Arves Cabrá.
* * *
SERTÃO EM CARNE E OSSO
No romper das alvorada,
Quando alegre a passarada
Se desmancha em cantoria,
Anunciando ao sertão
A sua ressurreição
No despontar de outro dia!
Nos galho das baraúna
Os magote de graúna
Quando o seu canto desata,
Parece uns vigário véio
Cantando o santo evangéio
Na igreja verde da mata!
Canta nas tarde morena
Quando o sol vai descambando,
Se despedindo da terra,
Beijando a crista da serra,
Deixando o céu tão bonito,
Que o sol redondo e vermêio
Parece, mal comparando,
Um grande chapéu de couro
Na cabeça do infinito!
* * *
A TERRA CAIU NO CHÃO
Visitando o meu sertão
Que tanta grandeza encerra,
Trouxe um punhado de terra
Com a maior satisfação.
Fiz isso na intenção,
Como fez Pedro Segundo,
De quando eu deixasse o mundo
Levá-lo no meu caixão.
Chegando ao Rio, pensei
Guardá-lo só para mim
E num saquinho de brim
Essa relíquia encerrei!
Com carinho e com cuidado
Numa ripa do telhado,
O saquinho pendurei…
Uma doença apanhei
E vendo bem próxima a morte
Lembrando as terras do norte
Do saquinho me lembrei.
Que cruel desilusão!
As traças, sem coração
Meterem os dentes no saco,
Fizeram um grande buraco
E a terra caiu no chão.
* * *
IMAGE DE CAMPINA
Ante o RETRATO DE CAMPINA GRANDE,
de Eudes Barros
Campina Grande, Campina
Vou dizê sem pabuláge
O qui tu tem de belêza,
O qui piçúes de grandeza.
Im redó da tua imáge.
Sois a porta de entrada
Dos sertanejo de riba,
Sois a “Cidade argudão”,
A rainha dos sertão,
Orgúio da Parahiba.
Sois a cidade feitiço
Dos fio das outras terra,
Qui aqui vem fazê morada,
Levando a vida forgada,
Na vida qui tu inserra.
Sois a cidade “faloprada”
Sois a cidade sustança!
Riúna dez cidadinha,
Qui tu Campina, sosinha
Pesa mais numa balança.
Campina Grande, Campina,
Sais a cidade “Pae D’égua”
Dos sobrado dos ricaço,
Dos “Bangalbu”, dos palaço
Das rua de meia legua!
Campina Grande, Campina
O teu comerço famôso
Faz a gente se alembrá
Das coisa discumuná
Das istora de trancôso.
Sois a cidade ingraçada
Das briga de fim de fêra,
Mode um cachimbo de fumo
Um bêbo fora de prumo
Barre mão da “lambedêra.
E lá vai faca pra riba!
Arreda pra lá mundiça
Qui eu hoje tou é danado!
Dipressa chega o sordado
Leva o bêbo pra puliça.
Sois a cidade infeitada
Na festa da Cunceição,
Na festa da Padruêra
Onde se vê “beradêra”
Bunita qui só o cão!
Sois branca cumo a Sodade
Irmã da rescordação,
Quando a rua das Areia
Tá intupida, tá cheia,
Só de saca de argudão
Sois verde cumo a Isperança
Essa grande arcuvitêra
Quando o verde das verdura
Enche as ruas cum fartura
Nos banco das verdurêra!
Duvido, Campina Grande,
Tê cidade qui se afôite
A tê noite cumo as tua
Quando o arfange da lua
Corta a mantía da noite!
Purisso, Campina Grande,
Tu sois a grande cidade,
Sois a cidade maluca
Onde armei minha arapuca
Prá pegá Filicidade!..
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