terça-feira, 4 de junho de 2013

SOBRE O FODA-SE...

 
HÉLIO GALVÃO – OLINDA-PE

A exemplo do que antes escreví sobre Stanislaw Ponte Preta, volto a lembrar outra figura humana, que não pode ser esquecida, sequer passar por despercebida e, com certeza, muitos dos nossos jovens sequer dele tenha ouvido falar.
Trata-se de Millor Fernandes, pseudônimo de Milton Viola Fernandes, também conhecido como Vão Gogo e Adão Junior, desenhista, humorista, dramaturgo, escritor, tradutor e jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 16 de agosto de 1923 e falecido na mesma cidade em 27 de março de 2012.
Especializou-se no gênero literário do humor e da sátira. Dentre suas inúmeras obras literárias, arrisco a transcrição de uma delas, bem ao gosto dos nossos leitores fubânicos. Trata-se do “Foda-se”.
* * *
FODA-SE – MILLÔR FERNANDES
O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional a quantidade de “foda-se!” que ela fala.
Existe algo mais libertário do que o conceito do “foda-se!”?
O “foda-se!” aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor.
Reorganiza as coisas. Me liberta.
Não quer sair comigo? Então “foda-se”!
Vai querer decidir essa merda sozinho mesmo? Então “foda-se’!
O direito ao “foda-se!” deveria estar assegurado na Constituição Federal.
Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.
“Prá caralho’, por exemplo.
Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que “prá caralho”?
“Prá caralho” tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas “prá caralho”, o Sol é quente “prá caralho”, o universo é antigo “prá caralho”, eu gosto de cerveja “prá caralho”, entende?
No gênero do “Prá caralho”, mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso “Nem fodendo!”.
O “Não, não e não!” e tampouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade “Não, absolutamente não!”, o substituem.
O “Nem fodendo’ é irretorquível e liquida o assunto. Ele te libera, com a consciencia tranquila para outras atividades de maior interesse na sua vida.
Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro para ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciencia. Solte logo um definitivo “Marquinhos presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!”.
O impertinente se manca na hora e vai para o Shopping se encontrar com a turma numa boa, voce fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicínio.
Por sua vez, o “Porra nenhuma!” atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional.
Como comentar a gravata daquele chefe idiota senão com um PHD “porra nenhuma!”, ou, “ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!”.
O “Porra nenhuma” como voces podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior.
É como se estivessemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha.
São dessa mesma gênese os clássicos “aspone”, “chepone”, “repone” e o mais recentemente o “prepone” – presidente de porra nenhuma.
Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um “Puta-que-pariu!”, ou seu correlato “Puta-que-o-pariu!” falados assim, cadencialmente, sílaba por sílaba…
Diante de uma notícia irritante, qualquer “puta-que-pariu!” dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.
E o que dizer do nosso famoso “Vai tomar no cu!”? e sua maravilhosa e reforçada derivação “Vai tomar no olho do seu cu!”?
Voce já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha do seu intearlocuor e solta: “Chega! Vai tomar no olho do seu cu!”.
Pronto voce tomou as redéas da sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e sai a rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor íntimo nos lábios.
E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: “Fodeu!” e sua derivação mais avassaladora ainda: “Fodeu de vez!”.
Voce conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?
Expressão, inclusive, que uma vez proferida, insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e autodefesa.
Algo assim como quando voce está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação, e ouve uma sirene de polícia atrás de voce mandando voce parar. O que voce fala? “Fodeu de vez!”.

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