NÃO VEM, SEAN PENN
Guilherme Fiuza
Evo Morales, o presidente da Bolívia, disse estar “quase convencido” de que Hugo Chávez morreu envenenado. O brado do cocaleiro lembrou o do mensaleiro: “Estou cada vez mais convencido da minha inocência”, declarou quase convicto José Dirceu, antes do julgamento do mensalão.
Assim a mística bolivariana vai avançando no continente, enchendo seus bufões de votos, cargos e dinheiro. O envenenamento de Chávez só não é mais bizarro que o da opinião pública, estranhamente convertida a esse messianismo terceiro-mundista.
Uma das primeiras personalidades a se manifestar após a morte de Chávez foi Sean Penn. O ator americano disse que os pobres do mundo “perderam um campeão”. A esquerda festiva sempre foi ridícula em qualquer lugar, mas a de Hollywood é imbatível. Campeã.
Sean Penn é um artista formidável, o que torna o quadro ainda mais patético. O consagrado diretor Oliver Stone veio junto, declarando estar de luto “por um grande herói”. Americanos posando contra o império americano – a velha receita politicamente correta que transforma, instantaneamente, dois ídolos “conscientes” em dois panfletários infantis. Que bom se fossem só eles.
Hugo Chávez barbarizou a democracia da pior forma – fingindo-se soldado dela. Derrubou o equilíbrio de poderes usando o populismo para se eternizar no governo legalmente. Analistas supostamente isentos (e críticos desse autoritarismo) ressalvam que o chavismo reduziu a pobreza com o dinheiro do petróleo. Esses são tão tolos quanto Sean Penn e Oliver Stone.
Num futuro muito próximo, a heroica bolsa-petróleo terá sido devidamente solapada pela baderna econômica criada pelo mesmo benfeitor. Como acreditar que um governo que paralisou os investimentos, detonou as instituições, gastou o que não tinha, semeou a inflação alta e trabalhou para encobrir isso tudo numa batalha sórdida contra a imprensa – como acreditar que um projeto desses deixará um país melhor para os pobres? Ou é preguiça de pensar, ou é sociedade com a malandragem populista.
As autoridades brasileiras estão no segundo caso. Chávez foi saudado pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência e chefe de gabinete vitalício do petismo, Gilberto Carvalho, como o homem que fez “uma revolução” na Venezuela.
É mais do que compreensível essa admiração pelo chavismo. Gilberto Carvalho é o braço armado de Dilma contra a mídia, o escalado para espalhar nos congressos e seminários do PT a artilharia contra a “imprensa burguesa”, dizendo que o país precisa de uma nova mídia e o governo será um agente estimulador disso, entre outras doces barbaridades. Como se vê, o Brasil só não é a Venezuela ainda porque a “imprensa burguesa” por aqui é mais difícil de amordaçar.
Enquanto isso, o governo dos amigos do revolucionário envenenado vai montando suas verdades e entregando-as a domicílio. Para tanto, nada melhor do que uma cadeia obrigatória de rádio e TV – brinquedo preferido de Dilma Rousseff, no que se refere a só ler o script e caprichar no penteado.
E nesses tempos em que Hugo Chávez vira bibelô da bondade para astros de Hollywood, nada mais providencial do que um Dia Internacional da Mulher para decorar o presépio do oprimido – e ensejar mais um pronunciamento à nação da “presidenta”, profissão mulher.
Dilma anunciou a seu povo a redução de impostos sobre itens da cesta básica. Uma semana depois, viria a notícia de que a cesta básica ficou mais cara apesar da bondade do governo popular e revolucionário – por causa da escalada da inflação, que é obra do governo popular e perdulário. Mas não tem problema.
Como ensinou o mártir bolivariano, as más notícias que a imprensa burguesa traz são puro golpismo. A verdade que vale é a que sai da boca dos heróis da pobreza, como mostram seus fantásticos índices de aprovação.
A presidenta mulher atacou também a violência doméstica dos maridos, e fez um alerta incrível: aos homens que não entendessem por bem que não devem agredir suas esposas, que se lembrassem então que quem manda neste país é uma mulher.
Ou seja: em cadeia nacional, Dilma resolveu ameaçar os barbados com seu cargo. Só faltou o rolo de pastel na mão. Um show de feminilidade sem precedentes.
Assim são o chavismo e seus derivados: esconda-se atrás de um símbolo social (a mulher, o operário, a vítima da ditadura) e navegue à vontade no proselitismo. Pode mentir numa boa, pode afundar as empresas de energia para forjar uma conta de luz barata, pode ludibriar o contribuinte para adular o consumidor, pode maquiar as contas públicas para esconder a gastança eleitoreira, pode vampirizar a Petrobras e depois usá-la para soltar panfletos de “capacitação da mulher”, pode tudo isso que enche os olhos dos astros abobalhados de Hollywood.
Para a minoria cada vez mais exígua que deplora esse tipo de heróis e campeões, resta pedir, com todo respeito: não vem, Sean Penn.
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