sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

POETAS NORDESTINOS...


Olegario
Olegário Mariano Carneiro da Cunha (Recife, Mar/1889 – Rio de Janeiro, Nov/1958)
* * *
O PINTINHO CEGO – Olegário Mariano
É ridículo, não nego:
Mas como me comovia
Aquele pintinho cego
Que eu criava e não me via.
O meu cuidado primeiro,
Quando cansado chegava,
Era indagar do caseiro
Meu ceguinho como estava.
E ele que vivia a sós,
Num momento aparecia.
Certamente conhecia
O timbre da minha voz.
Vinha vindo e tateando
Pela grama do jardim.
Abaixava-se piando
A esperar com alegria
A festa que eu lhe fazia
Quando o tinha junto a mim.
Uma vez… (se bem me lembro
Era o mês de dezembro)
Pus a criadagem tonta…
Ninguém dele dava conta.
Fiquei louco, furibundo,
Pus em campo todo mundo,
Gente corria assustada
Pelo jardim, pela estrada,
Até que o acharam com frio,
Longe, num campo baldio,
Tonto, sem poder voltar.
O seu caminho de volta
Era escuro e misterioso
Como uma noite sem luar.
Então resolvi prende-lo:
Fiz-lhe uma casa de palha
E a todo instante ia vê-lo.
Desse modo procurava
Dar-lhe paciência e esperança
Enquanto ele era criança,
Para aguardar o futuro
Mais escuro que o esperava.
Mas o destino, na trama
Como a aranha o prendeu.
O caseiro resolveu
Soltá-lo um pouco na grama…
E ele desapareceu.
Quando no fim de semana
Voltei à minha choupana…
Vinha feliz! Mal sabia
Que ele não mais existia.
E me acreditem, não nego,
Chorei com pena e saudade
Daquele pintinho cego
Que não via a claridade
Do sol que ilumina o dia,
Que dá vida a todos nós,
E entanto me conhecia
E era feliz quando ouvia
O timbre da minha voz.
* * *
RETRATOS DO PASSADO – Onildo Barbosa
Meu Sertão de minha vida
Caminhos por onde andei
Casa velha onde nasci
Açudes que me banhei
Estradas de chão batido
Chapéu de couro curtido
Lua cheia de verão
Cheiro de curral de gado
São retratos do um passado
Na minha imaginação.
Caminhos tortos, riacho,
Porteira aberta, vazante.
Gravatá brotando cacho
Um sol se pondo distante,
Rastros de pássaros na areia,
Sorriso de lua cheia,
Cantiga de Azulão,
Um rouxinol no telhado
São retratos do passado
Na minha imaginação.

Um corocoxó de sapos
Brindando a água barrenta
Cabritos dando sopapos
Enquanto a cabra amamenta
Lençol de saco estendido
Um entardecer chovido
Um pé de manjericão
Num pote velho quebrado
São retratos do passado
Na minha imaginação.
Um ninho de patativa
Feito de folha e raiz
A plantação de maniva
Um sertanejo feliz.
Boi comendo na baixada,
Uma viola afinada
Um poeta, uma canção,
Um martelo agalopado,
São retratos do passado
Na minha imaginação.
Uma jurema florida
Numa manhã de neblina
Uma cabana pendida,
Uma cerca de faxina
Uma briga de caçote,
A jia dando pinote
Na beira do cacimbão
Um cururu escanchado
São retratos do passado
Na minha imaginação.
Uma rolinha cantando
No galho da goiabeira
Um jumento se coçando
Nas estacas da porteira
Uma fogueira queimando
O cheiro do milho assando
No braseiro do fogão,
Rádio de pilha ligado
São retratos do passado
Na minha imaginação.
Um jumento relinchando
Uma jumenta no cio
A meninada brincando
De peteca e currupio
Umbuzeiro de estrada
Uma algaroba copada
Catagem de algodão,
Um bezerro encurralado
São retratos do passado
Na minha imaginação.
Na forquilha da cozinha
Um ninho de João de Barro
Uma rã pequenininha,
Escondida atrás do jarro
Num formato de gatilho
14 espigas de milho
Penduradas no oitão,
Um marimbondo arranchado
São retratos do passado
Na minha imaginação.
* * *
O RETIRANTE – Rogaciano Leite
Sobre a estrada poeirenta os batalhões famintos
Desenham, com seus pés, confusos labirintos
Que outros pés, a seguir, não tardam a apagar;
É o drama… é o desgraçado drama degradante
Do romeiro rural, do rosto retirante
Sem rumo e sem arrimo, e sem arranjo, a errar…
Sob o sol causticante, à margem das estradas,
Em torno aos troncos nus das árvores peladas
Choram homens sem fé, mulheres infelizes…
Criancinhas mirradas, como cães sem dono,
Para iludir a fome e conciliar o sono
Mordem cascas de pau e succionam raízes!
No olhar de cada mãe desesperada e aflita
Há uma dor que vem d’alma, estúpida, infinita
E que o seio materno em convulsões retalha,
Por ver, exposto ao solo adusto e fumarento,
Seu filhinho morrer, famélico e sedento,
Sem um só pingo de água e sem qualquer migalha
A tragédia traduz-se atrás do tosco tronco…
E o bando sem bandeira, abandonado e bronco,
Em pós de se prover do que o País promete,
Expõe-se, estaca, estanca, esvai-se, exclama, estua,
E cansa e cai e xinga e chora e continua
Na mesma cena atroz que aumenta e se repete
No silêncio da noite, à beira de alguns poços
Onde exala o mau cheiro e onde branquejam ossos,
Onde a lama estalou de tanta sequidão
Há clamor de inocentes, maldições de adultos…
E em meio àqueles magros e sedentos vultos
Samaritana alguma estende a sua mão!
Mal nasce o sol de novo, aqueles desgraçados
Rotos, sujos, famintos, fracos, fatigados
Recomeçam seu lento e incerto caminhar,
Tendo apenas de seu a consciência medonha
Da humilhação estrema e última vergonha
De andarem como uns cães, de porta em porta, a uivar!
Ai, meu Deus, quanto horror! Que coisa ultradantesca!
Será que pode haver tragédia mais grotesca,
Gente mais desgraçada e em condições mais vil?
Não pode haver, meu Deus, porque essa caravana
Atingiu os extremos da miséria humana
E esbarrou na maior vergonha do Brasil!

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