O BOI SOLTO
Beto da Silva
Sempre fui um cara muito medroso, e quando o assunto é assombração, cobra viva ou morta, boi, relâmpago e trovão; desculpe-me as damas, mas sou o primeiro a correr. Em mil novecentos e oitenta e quatro, aconteceu-me um fato inusitado. Estava voltando da escola Arruda Câmara, que é localizada no centro da cidade de Itambé, onde eu estudava no turno da tarde. Na época, a tranquilidade soprava em nossa face, dava até para sentir um delicioso cheiro de liberdade no ar. Poucas casas tinham muros, e, os terraços geralmente não tinham grades, aqueles que tinham, não eram nem tanto por segurança, e sim por beleza estética e vaidade. Pois, quem tinha uma casa com grades naquele tempo, podia ser considerada uma pessoa de status.
Tudo estava ocorrendo tranquilamente de acordo com a rotina, quando surpreendentemente enxerguei a figura de um boi correndo em minha direção. Fiquei estático por alguns segundos e quando me refiz do susto, notei que o boi já estava a poucos metros de distância.
Não perdi tempo, corri para dentro da casa mais próxima, como não tinha grades e a porta estava aberta foi muito fácil me esconder do boi, na época era muito comum ver os bois transitarem nas ruas do centro da cidade, parecia uma verdadeira “gadovia”.
Impulsionado pelo imenso pavor, invadi a casa sem tomar conhecimento de quem habitava aquele luxuoso lar. Era de fato uma bela casa de vista privilegiada, porém, naquela tarde, eu aos meus treze anos, fui agraciado com uma visão mais que privilegiada.
O tamanho do susto, foi proporcional ao tamanho da minha ousadia, percebi que não tinha apenas invadido a casa, notei que já estava na porta do quarto e pela primeira vez, pude contemplar a misteriosa nudez feminina, antes não tinha visto nem em revista.
Foi uma visão retumbante, foi uma visão garrida, senti-me em risonhos lindos campos floridos, eu estava mais que hipnotizado, apreciando aquela verdadeira escultura humana. Ouvi corais de anjos dizendo amém!
Pena que só pude contemplar aquele espetáculo fantástico durante eternos onze segundos; aquela moça bonita, de lindos olhos azuis, cabelos impecavelmente lisos, pretos e longos, interrompeu meu momento de alucinação com um sonoro e agudo grito: sai daqui! Fiquei transtornado com o susto e despertei no planeta bovino, o qual por alguns instantes nem lembrava que existia.
A onda de susto aumentava gradativamente com o decorrer dos fatos, quase desmaiei em presenciar aquela visão sobrenatural, agora estava entre a cruz e a espada. O boi ainda na tentativa de invadir a casa, a moça transtornada aos gritos tentando se esconder por trás de um abajur, e eu inocentemente perdido no tempo e no espaço. Estático, confuso, hipnotizado, assustado e com uma vontade enorme de acordar daquele pesadelo tão bonito.
Nunca tinha visto algo daquele tamanho, aquilo não era um boi, era um dinossauro com pontas. Logo os pais e irmãos da jovem vieram ao seu socorro e eu lá aos meus treze anos; tremendo, suando frio, gaguejando e procurando chão sob meus pés. Tratei logo de justificar a minha invasão tão indelicada, sem condições de falar, apelei para a mímica. Coloquei as duas mãos na cabeça de maneira que simbolizasse um belo par de pontas, meu gesto foi mal interpretado, acho que o código da mensagem gestual não foi bem compreendido. Acredito que só escapei de levar uma surra do velho, porque o boi conseguiu entrar na casa e eles entenderam o recado que eu estava tentando dá para eles.
Todos correram para o quarto, inclusive eu. Pouco importava se a garota estava nua, pouco importava se o pai da jovem tivesse zangado comigo, ficamos todos trancados no quarto durante mais de cinco minutos com medo daquele boi enfurecido. Ainda bem que os corajosos vaqueiros conseguiram laçá-lo e conduzi-lo de volta a fazenda de onde ele tinha fugido. Graças a Deus todos saíram ilesos e, graças ao boi, pude ver uma inenarrável visão, que guardei carinhosamente no baú das minhas mais belas lembranças.
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