sábado, 27 de agosto de 2011

UMA CRONICA DE JOCA SOUZA LEÃO...

O CHATO DO GOOGLE

“O ignorante afirma, o sábio duvida e o sensato reflete”, disse Aristóteles. “E o chato consulta o Google”, digo eu, pois também sou filho de Deus e discípulo de Platão. O Chato do Google é o cara que, tablet ou smartphone em punho, consulta o Google na hora da discussão e destrói a afirmação do ignorante, esclarece as dúvidas do sábio e interrompe a reflexão do sensato. Fim de papo. Só ele pontifica. Datas, grafias, literatura, autores, atores, letras de música, história, geografia, mitologia grega… e tudo o mais que possa ser tema de uma boa discussão de bar. Se um cara desses baixar na sua mesa, expulse-o imediatamente, antes que seja tarde.

Numa mesa do Dom Pedro, cuba-libre e uísque corriam soltos, cada um sabia mais medicina que o outro, apesar de não haver um único médico presente. Discussão acirrada: a diferença entre caduquice e Alzheimer. Clávio Valença resolveu a parada: “Da Serra das Russas pra cima é caduquice; pra baixo, Alzheimer.” Tivesse um Chato do Google por lá, não tinha discussão. Nem a frase de Clávio.

Mas, vez por outra, felizmente, o Chato do Google quebra a cara. Outro dia, mesmo, num eventozinho desses que reúne intelectuais e curiosos, um cidadão impudente anunciou e recitou um poema que seria de Carlos Drummond de Andrade. Não era. Vexame. (Fosse ele leitor do poeta e não do Google, reconheceria, logo no primeiro verso, que o dito cujo era fake.) Dia seguinte, um leitor de verdade pôs em suas mãos um exemplar das obras completas de Drummond: “Se achar o poema que você recitou ontem, o livro é seu.”

Larry e Sergey, os donos do Google, não criaram o site para sacanear nem acabar com a farra de ninguém (dizem até que o Sergey é bom de copo). O Google é um negócio arretado. Só não faz mágica, não transforma ignorante em sábio num clique. Tem que saber consultá-lo. Antes de tudo, saber, ainda que superficialmente, sobre o que se está pesquisando. Confiar desconfiando, checando, rechecando e, sobretudo, observando as fontes. Coisas que o Chato do Google geralmente não faz ou não sabe fazer.

A USP coordenou uma pesquisa sobre a qualidade dos textos publicados na internet. Selecionaram, aleatoriamente, mil e um artigos e teses que tratavam do mesmo tema, antibiótico, e os submeteram aos doutos da Universidade nas áreas de Medicina, Biomédica, Farmácia e Química. Resultado: cerca de 70% dos textos eram absurdos completos; 25% tinham algo a ver, ou seja, “ouviram o galo cantar, só não sabiam onde”; 5%, apenas, tinham, de fato, valor técnico ou científico reconhecido.

Apesar da pesquisa da USP, os médicos são as maiores vítimas do Chato do Google. O sujeito já baixa no consultório do médico com seu autodiagnóstico. E ai do doutor se o diagnóstico não coincidir. Veja só. Um paciente entrou no consultório de um médico conhecido no Recife, nem bom-dia deu: “Doutor, tenho Síndrome de Carpaccio.” “Síndrome de quem?” O paciente, com certo ar de superioridade, soletrou a iguaria italiana. E discorreu sobre seus sintomas e queixas. O doutor o examinou. “Clinicamente o senhor não tem nada.” E prescreveu a receita: “Pare de consultar o Google sobre doenças! Vá a um restaurante italiano e peça, como entrada, um bom carpaccio com mostarda, parmesão e azeite.”

Enquanto isso, no Bar do 28, o poeta Garibaldi Otávio cantarolava o “Torresmo à Milanesa” (não precisa consultar o Google pra saber de quem é o samba: Adoniran Barbosa e Carlinhos Vergueiro): “Vamos armoçar / Sentados na calçada / Conversar sobre isso e aquilo / Coisas que nóis não entende nada.”

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Crônica publicada originalmente no Jornal do Commercio em 27 de agosto de 2011

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