quarta-feira, 18 de maio de 2016

UMA PÉROLA QUE MINHA MÃE REPETIA NA NOSSA INFÃNCIA PARA ORIENTAR NOSSA EDUCAÇÃO: A CONCEIÇÃO DE MURILO...

A Conceição de Murillo


A CONCEIÇÃO DE MURILLO

Dom Augusto Álvares da Silva

Já não era criança
Um emaranhado de fios
Grisalhava-lhe a fronte
Cismadora e rude,
Onde uns olhos profundos,
Tépidos, sombrios,
Punham tom de mistérios,
Indícios de virtude!

Desde muito era visto
Andar pelas esquinas,
A olhar curiosamente
A turba circunstante,
E até fazer parar
Moças e meninas
Pra mirar-lhes de perto
As linhas do semblante!

Teria enlouquecido?
O rei crente e piedoso
Ordenara-lhe um dia
Desse execução
Ao seu desejo ardente.
Um quadro primoroso
A cópia mais fiel
Da Imaculada Conceição!

Por isso é que ele andava
Inquieto, apreensivo,
Fitando a todo o mundo,
Olhando a toda gente,
Pra ver se achava enfim
Caracterizada e vivo
Modelo ideal
Que brinca-lhe na mente!

Esta? Não serve.
Aquela? Causa pena vê-lo
A angústia em que se agita
Sua alma torturada,
Por não achar nenhures
pálido modelo.
Que possa traduzir
Esta alma imaculada!

Junto às prisões do estado,
Em pedra humana e fria,
das ruas de Madrid,
O sol ia já posto.
Uma pobre menina,
Em prantos, escondia,
na noite do seu véu
a aurora do seu rosto!

Murilo aproximou-se
Delicadamente:
Por que choras assim?
Levanta-te, sê forte!
Ela volveu-lhe o rosto,
E disse simplesmente:
Meu pai está preso ali
Está condenado à morte!

Ao contemplar desnuda
a fronte peregrina,
Artista, ele estaca,
E arrebatado vai
Tomando-a pela mão
Dizendo-lhe: menina, vem comigo,
E eu livrarei teu pai!

Meu pai, senhor, é mouro,
E o rei que nos persegue
É bárbaro, é cruel,
apesar de ser cristão.
Dos nossos, nem um só
Que foi-lhe entregue
Senão para morrer
Saiu desta prisão!

Menina, vem comigo,
E eu juro: a liberdade
Será dada a teu pai,
Herege ou criminoso.
O rei que dizes mau
E afeito a crueldade,
Tem o sangue espanhol
Ardente e generoso!

Vem! Vamos daqui!
Partamo-nos depressa
Que teu pai será livre!
Esta esperança é um fato!
Porque o rei cumprirá
Fiel sua promessa
De dar-me o que eu pedir,
Em troca de um retrato!

Sim, O REI prometeu
Se eu lhe pintasse a gosto
A Conceição sem mandra
Espórtula avultada.
E, criança, tu tens
Nos traços do teu rosto,
Os traços mais fiéis
De uma alma imaculada!

Anda! pois, e ela foi...
O artista satisfeito
Tem-na diante de si.
A vasta cabeleira em ondas
Soltas, o olhar fitando o céu,
As mãos em cruz no peito,
E aos poucos murmurando:
Então, meu pai não volta?

Quando tudo acabou,
Nervosamente ufano
Tomou-a pela mão
E alteando a voz lhe disse:
Agora, vem comigo.
Ouviste? O soberano
Prometeu pagar-me
O preço que eu pedisse.

Quando chegaram lá,
Era o palácio em festa.
Clero, nobreza e povo,
A fina flor da Espanha
A uma mera exposição
de um quadro novo.
Empresta a rodo ali
Solenidade estranha!

Ia-se inaugurar
A Virgem de Murilo,
Quando um oh de repente
Em meio à sala estoura!
Estava junto ao pintor
Impávido, tranquilo,
Inquieta e perturbada
A pobrezinha moura!

Nisto ergue-se a cortina
E esplêndido aparece
O retrato fiel
Da moura ali presente.
O olhar fitando o céu
Mimosa boca em prece,
Onde brinca um sorriso
Ingênuo, inocente!

Ao correr da cortina
A sala estruge em palmas!
E os olhares se vão da moura à tela.
O rei ao pintor genial
Que assim retrata as almas.
Pede-me quanto quiseres,
Diz, que eu te darei!

Senhor! Se meu trabalho algum valor alcança.
Se m’o quereis pagar,
Murilo principia.
Então dai liberdade
Ao pai desta criança,
Em honra da beleza
E em honra de Maria!

E as duas portas férreas
Da prisão do estado
Abriram-se par em par.
E da prisão sombria
Viu-se sair liberto
um condenado,
louvando a Conceição
sem manchas de Maria!

MURILLO

Bartolomé Esteban Perez Murillo (Sevilha, 31 de dezembro de 1617 — Cádis, 3 de abril de 1682) foi um célebre pintor barroco espanhol. Figura ao lado de outros grandes pintores como Caravaggio, Rubens, Rembrand, Vermeer e Zurbaran.
Figura central da escola de pintura de Sevilha, Murillo teve vários discípulos e seguidores de seu estilo, levando sua influência até o século XVIII. Foi também o pintor espanhol mais conhecido e apreciado fora de seu país, no mesmo período.
Murillo foi o mais novo filho de uma família de 14 irmãos. Seu pai, Gaspar Esteban, era um próspero barbeiro, também cirurgião e dono de alguns imóveis, que, posteriormente, tornaram-se fontes de rendas para o pintor. Sua mãe, María Pérez Murillo, era de uma família de ourives e de pintores. Bartolomé acabou adotando o sobrenome da mãe em seu nome.
Seu pai morreu em 1627 e a sua mãe, poucos meses mais tarde. Murillo tinha pouco mais de nove anos. Ficou, então, aos cuidados da sua irmã Ana, que era casada com um barbeiro, de nome Juan Agustín de Lagares.
Murillo é o pintor que melhor define o barroco espanhol. Discípulo do pintor Juan del Castillo, parente de sua mãe, Murillo recebeu sua influência.
Em 1645, Murillo pintou treze quadros para o Convento de São Francisco, em Sevilha, onde se poderia notar, agora, a influência de Van Dyck, Ticiano e Rubens. O sucesso desse trabalho o projetou, ainda mais, no meio dos grandes pintores, atraindo novas encomendas.
No mesmo ano, casou-se com Beatriz Cabrera y Villalobos, com quem teve nove filhos. Na peste de 1649, que assolou a cidade de Sevilha, quatro de seus filhos morreram.
Em 1660, Murillo fundou a Academia de Desenho de Sevilha, em parceria com Francisco de Herrera el Mozo. Em 1658, Murillo foi para Madrid, onde conheceu os pintores Diego Velázquez, Francisco de Zurbarán e Alonso Cano. Lá, também, conheceu a pintura flamenga e veneziana.
Alguns meses depois, voltou para sua terra natal. Seu reconhecimento aumentava, assim como as encomendas, permitindo-lhe ter uma vida tranquila com sua família. Também contribuíam para isso as propriedades deixadas por seus pais, como herança.
Em 1663, a sua mulher, Beatriz, morreu de parto.
O período mais fecundo de Murillo se inicia em 1665, quando ele pintou “O sonho de Patrício” e
“Patrício relatando o sonho para o Papa” para a Igreja de Santa Maria Blanca. Foi nessa época
que fez a decoração do templo do Hospital da Caridade de Sevilha, o que o levou a ser conhecido
em todo o país, principalmente na corte madrilenha. O próprio rei Carlos II convidou o pintor para
residir em Madri, convite que ele recusou, alegando idade avançada.
Em 1681, ele iniciou o seu último trabalho na Igreja Santa Catarina de Cádiz. Quando trabalhava
num andaime mais alto, sofreu uma queda e veio a falecer três meses mais tarde, no dia 3 de abril
de 1682.
Segundo seu biógrafo, ele foi enterrado na Igreja da Santa Cruz, posteriormente destruída durante
a ocupação dos franceses em 1811.
Em sua honra, os populares fizeram um enorme funeral. Para se ter ideia da sua fama, o seu caixão foi carregado por dois marqueses e quatro cavaleiros. Mesmo hoje, na atualidade, Murillo continua a ser muito conhecido.

Pintura - Imaculada Conceição do Escorial (1678), de Bartolomé Esteban Murillo. De profundo sentimento religioso, esta representação da Madona no reino dos céus foi encomendada para o Hospital de los Venerables Sacerdotes de Sevilha. A obra pode ser vista no Museu do Prado, em Madri, na Espanha.

Colaboração de Violante Pimentel

Nenhum comentário:

Postar um comentário