Não, ela não era poeta. Poderia ter sido. Se o quisesse. Ela foi tamanha. Mas não o quis. Preferiu romance, crônica, conto. E como foi boa no que escreveu.
Outro dia, fiz questão de passar na praça Maciel Pinheiro. Só para sentir mais perto a presença ausente dela. Tocar o mistério de sua felicidade clandestina.
Continuando caminho, trouxe comigo a imagem dela: o rosto claro e belo, olhos verdes e oblíquos, boca feita de lábios desenhados a cinzel. E a provisoriedade do tempo.
Neste janeiro abstrato, piso seu território perene com a revelação do improvável.
“Quando eu saltar em terra provavelmente já terei esse ar de sofrimento-superado-pela-paz-de-ter-uma-missão. E no meu rosto estará impressa a doçura da esperança moral. Porque sobretudo me tornei toda moral. No entanto, quando entrei no avião estava tão sadiamente amoral. Estava, não, estou ! Grito-me eu em revolta contra os preconceitos da missionária. Inútil: toda minha força está sendo usada para eu conseguir ser frágil. Finjo ler uma revista, enquanto ela lê a Bíblia”.
Clarice Lispector, em Felicidade Clandestina, página 152.
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