O que aprendi no lixo
Um fim de tarde igual a outros que
diariamente acontecem em natal;...
estou na avenida Afonso pena... em
frente ao edifício esmeralda, dentro de
um fusca... espero a mulher e as
crianças para enfrentar a noite,alguns homens vestidos de palitó, ou de
camisas esporte, já retornam do
trabalho.
e entram na garagem sobre pilotis do
edifício. na entrada do qual estou
estacionado.
A TARDE vai findando com aquele clima
de tristeza, própria desta hora, e o ar de
angustia que faz parte do começo da
noite na capital...
ATRAZ DO MEUS ÓCULOS, vejo uma
caixa de ferro sobre a calcada, com a
inscrição:urbana, e de lado, um homem
e
uma mulher.. os três em cima da
calcada
do prédio, que abriga uma classe media
alta..que no final joga as coisa usadas e
imprestaveis, no lixo.
A mulher e alta, despenteada, mal
vestida, facies ligeiramente debiloide,
porem nos seus olhos existe um certo ar
de ganancia, e a tensão de quem esta
prestes a ganhar um prémio.
o homem vestido de mescla,atitude
psíquica pelagroide, com o ar de quem
estava começando o dia de trabalho...
A tarde vai ficando mais escura e o
homem pula dentro da caixa de lixo e a
mulher se mantem na postura de quem
vai receber algo, de quem esta
esperando
pelo companheiro...
neste instante me dou conta da cena
que
se passara no palco da vida, no bairro do
Tirol...
agora, no meu fusca, se encontra eu e a
dor e a ansiedade para ver o desenrrolar
do espetaculo, ao ar livre, cujos actores
não sabem que o estão sendo, não
ensaiaram.
o enredo da peca foi determinado pela
própria vida, pelas leis mães da
vida:vestir, calcar, comer..
o homem se abaixa e ao se levantar,
entrega a mulher umas latas de óleo de
soja, secas, umas seis...a companheira
recebe e exibe um ar que diz:serve...já e
alguma coisa...
novamente o homem se abaixa e, ao
levantar traz na mao uma sapatilhas
vermelhas...
este objeto despertou na cara pálida da
mulher, um ar de mais interesse... ela
imediatamente as calcou...e deu ao
corpo
uma rodada narcisista, semelhante ao
que faz as mocas ricas, provando
vestidos em botiques de luxo.
A esta altura eu já queria que a minha
família não chegasse logo, para não
distrair a introspeccao, que o espetaculo
estava me proporcionando
o homem se abaixa pela terceira vez...eu
diria: foi a terceira queda do cristo
natalense, no calvário do Tirol, na frente
de poncio Pilatos, que estava a observar
de dentro do carro...
o homem submerge com uma moldura
antiga, sem a gravura do quadro, e
entrega a mulher..
meus amigos, a face humilde e anemica
da jovem senhora esbocou um ar de
profunda ternura e contentamento; no
seu olhar eu vi a alegria pura e simples,
no seu estado de gema...
a mulher acolhendo a prenda, olhou o
amante e falou: foi muito bom você ter
encontrado esta moldura, vamos leva la
para casa, pois la em casa, o RETRATO
DA GENTE esta muito
embolado...
NESTE momento eu tive
vontade de chorar... vi cair a mascara
que esconde o meu egoísmo e a minha
ganancia,,, a eterna competição, o
eterno
desejo de querer mais, o ter mais...
me lembrei de Vinicius de morais, pelo
motivo social e poético: eu vi um círio
queimando numa catedral em ruínas...
uma mulher onde faltava tudo, se
preocupando em emoldurar o retrato do
casal, para colocar na sua sala...
agora, as crianças já chegaram e eu já
vou...cada vez mais,volta mais gente do
trabalho, entram nas suas garagens e
sobem para os seus apartamentos,
MUITOS DOS QUAIS NÃO POSSUEM
UM RETRATO EMOLDURAD do casal ,
na sala de visita.
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