quinta-feira, 23 de março de 2017

ANTONIO MARIA...UM DOS MAIORES CRONISTAS DO BRASIL...



"NADA É MAIS COMOVENTE DO QUE UMA CRIANÇA DORMINDO...E QUANDO MAIS POBRE  ELA FOR, MAS COMOVENTE  ELA É"...UMA FRASE LAPIDAR DE ANTONIO MARIA...

Antônio Maria (1921-1964)
POR JOSÉ DOMINGOS BRITO
               Antônio Maria Araújo de Morais nasceu no Recife, em 17/03/1921. Compositor, poeta, jornalista, radialista e cronista, teve uma infância privilegiada. O pai era um usineiro que perdeu tudo especulando com o preço do açúcar, e morreu antes que ele saísse da adolescência. Estudou no Colégio Marista e teve professores particulares de piano e francês. A tendência para a boêmia manifestou-se logo cedo: “Quando eu fiz quinze anos, ganhei um relógio de pulso e 5 mil réis. Olhei os ponteiros, vi que era hora de fazer uma besteira e entrei num botequim”. Numa aposta com os amigos, tomou um pileque, entrou na praia de Boa Viagem e quase morreu afogado. Com a falência familiar, teve que trabalhar aos 17 anos como apresentador de um programa musical, na Rádio Clube de Pernambuco. Aos 19 anos mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi locutor esportivo da Rádio Ipanema.
Foi morar na Cinelândia, no mesmo prédio onde viviam os conterrâneos Fernando Lobo e Abelardo Barbosa (futuro Chacrinha), além de Dorival Caymmy e o pintor Augusto Rodrigues. Não se deu bem profissionalmente, e retorna ao Recife após 10 meses. Casou-se com Maria Gonçalves Ferreira, em 1944, e mudou-se para Fortaleza, onde vai trabalhar na Rádio Clube do Ceará. No ano seguinte mudou-se para Salvador para atuar como diretor das Emissoras Associadas e faz amizade com Di Cavalcanti e Jorge Amado. Em boa companhia, dá inicio efetivo a vida boêmia. Em 1947 volta ao Rio de Janeiro com dois filhos e passa a trabalhar como diretor artístico da Rádio Tupy. Junto com a direção artística, redigia o programa Minha terra é assim e apresentava O tempo e a música, com grandes artistas. Em seguida passou a redigir o programa humorístico Rua da alegria, de muito sucesso. Chegou a ter três programas por semana e sua criatividade e inteligência ficaram marcadas por algum tempo na década de ouro do rádio.
Com a inauguração da TV Tupy, em 1951, Assis Chateaubriand convida-o para ser o diretor de Produção. Por essa época começa a escrever suas crônicas diárias n’O Jornal. Por mais de 15 anos comandou as colunas A noite é grande e “O Jornal de Antonio Maria”. A vida boêmia toma impulso e cria a frase “A noite é uma criança”. Em fins de 1952 Getúlio Vargas deu uma grande ajuda financeira à Rádio Mayrink Veiga em troca de apoio político. Para manter o ataque contra a Rádio Tupi, contratou os grandes nomes do rádio e Maria foi um dos primeiros. Foi contratado com um salário de 50 mil cruzeiros, o mais alto do rádio no Brasil até então. O boêmio não fez por menos: comprou seu primeiro “cadillac”, o carro símbolo de status na época.
Em 1954, passa a trabalhar no jornal O Globo, cujo anúncio dá a medida de sua importância: “O Globo inaugurará amanhã mais uma seção diária Mesa de pista. Está a cargo de Antônio Maria. É dispensável a apresentação do cintilante cronista. Todos o conhecem. Todos o admiram. Não há quem não leia com prazer o que ele escreve. Conhecedor profundo da vida da cidade, Antônio Maria nos dará todos os dias aspectos e flagrantes das reuniões e diversões noturnas da cidade. Não será propriamente um cronista social. Será um cronista da noite carioca, naquilo que ela tem de mais curioso e pitoresco”. Na opinião de Luís Fernando Veríssimo, foi o melhor cronista da literatura brasileira. Em seguida foi trabalhar no jornal Última Hora, quando retoma O Jornal de Antonio Maria e inaugura o Romance Policial de Copacabana, com crônicas e reportagens. Além de comandar seu programa, participava de outros, como o de Sargentelli, Preto no branco e de Ary Barroso Rio, eu gosto de você, na TV Rio, em 1957.
Era considerado um homem de sete instrumentos, como se dizia na época. Participava de shows na boate Casablanca, junto com Paulo Soledade; na boate Ninght and Day, junto com Ary Barroso, com o show A mulher e o diabo; compunha jingles publicitários; caricaturista de suas crônicas e locutor esportivo. Foi ele que transmitiu o gol do Uruguai no final trágica da Copa do mundo de 1950. Como compositor, gravou algumas músicas clássicas: Ninguém me ama, Valsa de uma cidade, Menino Grande, Canção da volta, Tuas mãos, Se eu morresse amanhã, além do Samba do Orfeu e Manhã de carnaval foram feitas em parceria com Luís Bonfá. Chegou a fazer sucesso internacional com Nat King Cole cantando em inglês Ninguém me ama e Tuas mãos. Todos os grandes intérpretes gravaram suas músicas: Nora Ney, Dolores Duran, Elizeth Cardoso, Lúcio Alves, Doris Monteiro, Jamelão, Ângela Maria, Aracy de Almeida, Agostinho dos Santos, Dircinha Batista.
Como compositor, chegou a ser considerado o rei do samba-canção. De toda sua produção musical, apenas 62 foram gravadas. Em sua maioria são músicas tristes, de dor-de-cotovelo. Mas não eram só samba-canção. Certa vez escreveu em seu diário “Muitas vezes, de madrugada, o menino acordava com o clarim e as vozes de um bloco. Eles estavam voltando. O canto que eles entoavam se chamava ‘de regresso’. Não sei de lembrança que me comova tão profundamente. Não sei de vontade igual a esta que estou sentindo, de ser o menino que acordava de madrugada, com as vozes de metais e as vozes humanas daquele Carnaval liricamente subversivo”. Era a saudade do Recife batendo forte. Com tais sentimentos compôs os frevos nº 1 e nº 2, dois clássicos gravados por Nara Leão e Maria Bethânia. São os frevos saudosos mais alegres e tristes ao mesmo tempo do repertório pernambucano.
Era um homem de muitos amigos (e inimigos). Sua amizade com Vinicius de Moraes era tamanha ao ponto de parecerem irmãos. E de fato eram iguais no gosto pelas mulheres e pela boemia. Foi ele quem apelidou Vinicius de “poetinha”. A amizade ficou eternizada num belo texto de despedida no dia de sua morte. Carlos Heitor Cony era outro grande amigo. Certa vez ligou para ele dizendo: “Cony, você nunca me enganou!”. Relatou que vindo de São Paulo, sentou no avião ao lado de uma bela mulher que lia o livro Matéria de memórias, de Cony. Ele puxou conversa, apresentou-se como o autor do livro e passou a desfiar um rosário de infelicidades: era um desgraçado; nunca teve sucesso, exceto com a literatura; que as mulheres o abandonavam etc. etc. “Mas Maria!….” era tudo o que Cony conseguia falar. “Fica tranquilo, Cony, fica tranquilo porque depois nós fomos para cama. Ou melhor, você foi para a cama com a mulher”. E Cony, curioso: “E aí?” “E aí é que aconteceu o problema” gargalhava enquanto explicava. “Você broxou Cony!, você broxou!!!”
Não obstante a vida boêmia, tantos amigos e um caráter extrovertido, Maria foi um homem que sempre teve a solidão como companheira, como se deduz de sua crônica Oração em 30/03/1954: “Há poucos minutos, em meu quarto, na mais completa escuridão, a carência era tanta que tive de escolher entre morrer e escrever estas coisas. Qualquer das escolhas seria desprezível. Preferi esta (escrever), uma opção igualmente piegas, igualmente pífia e sentimental, menos espalhafatosa, porém. A morte, mesmo em combate, é burlesca…Só há uma vantagem na solidão: poder ir ao banheiro com a porta aberta. Mas isto é muito pouco, para quem não tem sequer a coragem de abrir a camisa e mostrar a ferida”. Vez ou outra aproveitava suas crônicas para desabafar sua solidão: “Às vezes, me sinto muito só. Sem ontem e sem amanhã. Não adianta que haja pessoas em volta de mim. Mesmo as mais queridas. Só se está só ou acompanhado, dentro de si mesmo. Estou muito só hoje. Duas ou três lembranças que me fizeram companhia, desde segunda-feira, eu já gastei. Não creio que, amanhã, aconteça alguma coisa de melhor”.
Em fins da década de 1950, comandava o prestigiado programa de entrevistas na TV Rio Encontros com Antônio Maria, onde deu uma cantada, ao vivo e em público, em Maysa e entrevistou o governador de São Paulo, Adhemar de Barros, quando foi criado o slogan “rouba mas faz”. Por esta época apaixonou-se por Danusa Leão, a mulher de seu patrão Samuel Wainer, dono do jornal Última Hora, onde era um dos colunistas mais apreciados. Os dois acabaram decidindo morar juntos. O romance não se encaminhou como era esperado. Danusa, sempre muito extrovertida, lhe provocava um ciúme doentio, e as brigas eram frequentes. Mas ela suportou até 1964, quando veio o golpe militar. Samuel Wainer foi para o exílio e ela se decidiu por reatar o casamento e acompanhá-lo. Doente, com problemas cardíacos desde criança – “Sou cardisplicente, costumava dizer na sua displicência -, com sérias limitações para comer e beber como gostava, sua saúde foi bastante afetada pela separação. Na madrugada de 15 de outubro de 1964, ao sair da boate Bistrô, no posto 4 de Copacabana, foi fulminado por um enfarte do miocárdio. Pode-se dizer que morreu em plena atividade no seu local de trabalho.

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