sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

NATALINO...


FamiliaSagradaNordestina1

Um poema de Lima Júnior

NO NATAL
Eu segui uma estrela que no céu
Me guiou pelos becos da cidade,
Me fazendo enxergar a realidade
De esquecidas pessoas, tudo ao léu!
A fumaça das drogas era o véu
Que vestia a penumbra masmorral,
E seus restos de vidas sobre o sal
Do sobejo das ceias agendadas,
Dos que esquecem Jesus pelas calçadas
Mas celebram a noite de Natal!
Os frangalhos de sonhos e ilusões
Com os trapos das roupas, confundidos,
O odor dos prazeres distorcidos
Misturados às cinzas dos porões.
Aves livres, à beira de alçapões
Onde a isca é a própria crueldade,
Onde a treva em que vive lhe invade
Quando o que mais almeja é ter a luz,
Mas o expulsam da festa de Jesus
Feito restos mortais da humanidade.
A sarjeta tornou-se o lar sublime
Dos que se irmanaram pela rua,
Onde o teto é o céu e a luz a lua
Pela força mordaz de vil regime.
O diploma exibido é o do crime,
Ser temido é a qualificação,
Foi criança, sonhou, mas a razão
Que a vida lhe impôs foi crucial.
Enxotado das festas de Natal,
Como crê que Jesus é seu irmão?
Carne em chagas, exposta ao sal do pranto
Pela cruz que só ele é quem enxerga,
A matéria sofrida que se enverga
Pra caber pra dormir, em qualquer canto.
Sua fé dirigida a qualquer santo
Que lhe possa servir de talismã.
No Natal bate a porta de uma “irmã”
Que na mesa da ceia, ouve somente:
– Por Jesus, dê-me um pão, sou indigente!
E a resposta que tem: – Passe amanhã!
* * *
Um poema de Aldemar Paiva
NÃO GOSTO DE VOCÊ PAPAI NOEL
Não gosto de você, Papai Noel!
Também não gosto desse seu papel
de vender ilusões à burguesia.
Se os garotos humildes da cidade
soubessem do seu ódio à humildade,
jogavam pedras nessa fantasia!
Você talvez nem se recorde mais.
Cresci depressa e me tornei rapaz,
sem esquecer no entanto o que passou.
Fiz-lhe bilhete pedindo um presente,
a noite inteira eu esperei contente,
chegou o sol e você não chegou.
Dias depois, meu pobre pai cansado
trouxe um trenzinho velho, empoeirado,
que me entregou com certa hesitação.
Fechou os olhos e balbuciou:
“É pra você… Papai Noel mandou…”
E se esquivou contendo a emoção.
Alegre e inocente nesse caso,
pensei que meu bilhete com atraso
chegara às suas mãos no fim do mês.
Limpei o trem, dei corda, ele partiu,
deu muitas voltas, meu pai sorriu
e me abraçou pela última vez.
O resto só eu pude compreender
quando cresci e comecei a ver
todas as coisas com realidade.
Meu pai chegou um dia e disse, a medo:
“Onde é que está aquele seu brinquedo?
Eu vou trocar por outro na cidade”.
Dei-lhe o trenzinho quase a soluçar,
e como quem não quer abandonar
um mimo que lhe deu quem lhe quer bem,
disse medroso: “Eu só queria ele…
Não quero outro brinquedo, quero aquele
E por favor, não vá levar meu trem”.
Meu pai calou-se e pelo rosto veio
descendo um pranto que eu ainda creio,
tão puro e santo, só Jesus chorou.
Bateu a porta com muito ruído,
mamãe gritou, ele não deu ouvidos,
saiu correndo e nunca mais voltou.
Você, Papai Noel, me transformou
num homem que a infância arruinou,
Sem pai e sem brinquedos. Afinal,
dos seus presentes, não há um que sobre
para a riqueza do menino pobre
que sonha o ano inteiro com o Natal!
Meu pobre pai doente, mal vestido,
pra não me ver assim desiludido,
comprou por qualquer preço uma ilusão:
num gesto nobre, humano, decisivo,
foi longe pra trazer-me um lenitivo,
roubando o trem do filho do patrão.
Pensei que viajara. No entanto
depois de grande, minha mãe, em pranto,
contou que fora preso. E como réu,
ninguém a absolvê-lo se atrevia.
Foi definhando, até que Deus um dia
entrou na cela e o libertou pro céu!

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