quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

HISTÓRIAS DE CEMITÉRIO....

Em uma cidadezinha
do interior, onde a vida
transcorre sempre tranquila
e ao repouso convida,
verificou-se uma cena
que não será esquecida.
O caso que conto agora
não contém nenhum mistério,
porém pode parecer
talvez um tanto funéreo
porque tem como cenário
justamente um cemitério.
Era um vasto campo-santo,
lindamente arborizado,
recanto muito pacato,
sempre limpo e conservado.
Qualquer um que o visitasse
sentir-se-ia confortado.
Diversas espécies de árvores 
existiam no local,
inclusive abacateiros
e fruteiras em geral,
especialmente aquelas
da flora regional.
Um frondoso abacateiro
a produção exibia.
A safra extraordinária
muitas vistas atraía… 
Verdadeira tentação
pra quem passasse na via.
O fato é que aquelas frutas
de muitos tirava o sono.
Parecia inconcebível
que, no aparente abandono,
terminassem se perdendo,
talvez por falta de dono.
Dois amigos planejaram,
pela cobiça tentados,
colher aquele tesouro
e ganhar alguns trocados,
pois sabiam que os defuntos
se manteriam calados.
(2)
Ao decidirem que à noite
era a mais propícia hora
para fazer a colheita 
e em seguida dar o fora,
a execução do plano
foi marcada sem demora.
Sim, porque no campo-santo
não havia vigilância.
Assim eles poderiam
colher aquela abundância
de frutas sem sobressalto,
sem correria nem ânsia.
De acordo com o planejado,
aproveitando o escuro,
cada um com uma sacola,
pularam depressa o muro
e a colheita iniciaram
do abacate maduro.
Naquele ambiente apenas
se ouvia um leve queixume
da brisa que perpassava
rompendo o denso negrume.
Cintilava em cada canto,
como estrela, um vaga-lume.
(3)
Na conclusão da tarefa
não tinham pressa nenhuma.
Era gostoso colher
as frutas, de uma em uma,
sentindo os beijos da aragem
e as carícias da bruma.
“Um pra mim, um pra você”,
era o que se ouvia então,
na voz de um dos amigos,
que fazia a divisão
dos abacates colhidos
na total escuridão.
“Você deixou cair dois
frutos do lado de fora!”
A outra voz respondeu:
“Não será grande a demora.
A gente acabando aqui,
pega os dois e vai embora”.
“Está bem. Mais um pra mim,
um pra você…” Neste instante,
fora, ia passando um bêbedo,
de andar cambaleante,
que escutou aquela voz,
pra ele aterrorizante.
(4)
“Um pra mim, um pra você…”
“Céus, aqui é o cemitério!”
Disse o bêbedo ouvindo a voz.
Sem atinar com o mistério,
desembestou rua afora,
pois o negócio era sério.
Chegou à delegacia
num desespero total:
“Seu praça, venha comigo,
por favor, não leve a mal,
parece que é hoje  o dia
do tal juízo final!”
O que acabara de ouvir,
relatou muito assustado:
Deus e o diabo dividiam,
como um rebanho de gado,
as almas do cemitério…
Era o fim anunciado!
“Cala essa boca, pau-d’água,
que história sem sentido!
Deixa de papo furado!”
Disse o praça enfurecido.
“Mas eu juro que é verdade!”
Retruca o bêbedo encolhido.
(5)
E dirigiram-se os dois
para o campo-santo. Quando
junto do muro chegaram,
foram a voz escutando:
“Um pra mim, um pra você…”
O praça então foi falando:
“É dia do apocalipse!
Deus, perdoe os erros meus!
Estão dividindo as almas
dos mortos. Valha-me Deus!
O pau-d’agua estava certo!
Adeus, mundo velho, adeus!”
E dentro do cemitério
prosseguia o “cunversê”…
Aquela voz esquisita:
“Um pra mim, um pra você.
Pronto, aqui dentro acabou.
Fazemos agora o quê?”
Respondeu a outra voz:
“Está só faltando agora
a gente pegar os dois
que estão do lado de fora:
um pra mim, um pra você…
Logo após vamos embora.”
(6)
Depois daquelas palavras,
eles, pra não dar bobeira
(os dois do lado de fora),
dispararam na carreira
com o bêbedo àquela altura
curado da bebedeira.
Esse detalhe passou,
sem dúvida, despercebido
pelos que estavam lá dentro,
cujo único sentido
estava nos abacates
que há pouco haviam colhido.
No outro dia a notícia
correu por toda a cidade,
deixando a população
confusa com a novidade:
se pra uns era mentira,
pra outros era verdade.
Vejam agora os leitores
com a necessária atenção,
como pode uma aparência
criar dúvida e confusão,
dando a um fato inexpressivo
indevida projeção.
(7)
Enfim, este acontecido
simplesmente poderia
ter permanecido incógnito,
sem susto e sem correria,
não fosse um mal-entendido,
gerador de fantasia.
Que se tome como exemplo 
o caso acima narrado.
Vale a pena averiguar
tudo que nos for contado,
antes de passar adiante
sem que possa ser provado.
Termina aqui este caso
que de fato aconteceu
numa pequena cidade,
terra de um amigo meu.
Foi ele quem me contou…
E se isto não se passou,
o culpado não sou eu.

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