segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

LITERATURA DE CORDEL...



Leandro Gomes de Barros
Meus versos inda são do tempo
Que as coisas eram de graça:
Pano medido por vara,
Terra medida por braça,
E um cabelo da barba
Era uma letra na praça.
*
Suspira Brasil! suspira!
Tens razão de suspirar,
Já vi-te rir no prazer,
Hoje te vejo chorar,
Qual uma barca sem norte,
Vendo os vai-vem da sorte
Esperando naufragar.
*
Quando o velho Santo Jó
Viu-se doente e leproso
No Recife Alfeu Raposo
Mandou-lhe uma fricção,
A mulher dele mandou
Pedir ao Dr. Tomé
Na farmácia São José
O Elixir da Salvação.
São Pedro era pescador
Antes de seguir Jesus
Quando o Dr. Santa Cruz
Tomou conta de Monteiro
Nero Imperador Romano
Mandou um seu paladino
Chamar António Silvino
Para ser seu cangaceiro.
* * *
Jânio Leite
Fui gerado e criado lá na roça
Convivi toda infância com meus pais
Não cursei faculdades federais
Minha lição foi puxar burro em carroça
Com a mão calejada e a pele grossa
De um trabalho tão árduo e tão pesado
Na enxada, na foice e no machado
Meu alimento foi feijão e rapadura
Calo seco é anel de formatura
Pra quem fez faculdade no roçado.
* * *
Natália Monteiro
Eu nasci num recanto diferente
Onde a paz triunfante é quem comanda
Mas se a chuva não vem ela desanda
Da maneira que está ultimamente
Mas meu sangue é de um povo persistente
E ao invés de ficar desesperada
Digo a Deus : Meu Senhor muito obrigada
Tenho orgulho daqui deste meu chão
Eu nasci nas caatingas do sertão
Uma terra por deus abençoada.
* * *
João Paraibano
Quando o dia começa a clarear
Um cigano se benze e deixa o rancho
A rolinha se coça num garrancho
Convidando um parceiro pra voar
Um bezerro cansado de mamar
Deita o queixo por cima de uma mão
A toalha do vento enxuga o chão
Vagalume desliga a bateria
Das carícias da noite nasce o dia
Aquecendo os mocambos do sertão.
* * *
Cego Aderaldo
(No decorrer de uma visita ao Rio de Janeiro)
O clima do meu sertão
É mais quente e mais sadio,
Não é um clima abafado
Como este clima do Rio.
O sapo do Ceará,
Vindo aqui morre de frio.
* *
João Firmino
(Quando do falecimento do Cego Aderaldo)
Foi a forte aroeira que ruiu
Ao contato do gume do machado.
Foi o ferro melhor já fabricado
Que o mercado do mundo jamais viu;
Foi o trem, sem destino, que partiu,
E ao longo da estrada deu o prego;
Como Homero, também, ele era cego
A quem todo o seu povo admirava…
Para ser o próprio Homero só faltava
Ao invés de cearense ser um grego!
* * *
José Lucas de Barros
(Em homenagem ao poeta repentista Diniz Vitorino Ferreira)
Nunca vi, em cantiga improvisada,
um poeta maior do que Diniz,
e acredito que Deus mandou chamá-lo
por achar que este mísero país
nunca soube entender o seu valor
nem tampouco ajudá-lo a ser feliz!
Sem Diniz, a viola nordestina
vai chorar, sem consolo, noite e dia;
o poeta dos versos mais perfeitos
se despede de nossa cantoria,
mas no coro dos anjos, lá no céu,
entra mais um maestro da poesia.
* * *
Lino Pedra Azul
Meu povo, quando eu morrer
Coloquem no meu caixão
Meu uniforme de couro
Meu guarda-peito e gibão
Com um bonito retrato
Do meu cavalo Alazão.
* * *
Manoel Bentevi
Na vida ninguém confia
Em nada sem ter certeza
São obras da natureza
Tudo que a terra cria:
Gente, ave, bicharia,
Tudo começou assim.
O homem é quem é ruim
Nada bom ele planeja
Por muito forte que seja
A morte pega e dá fim.
* * *
Moacir Laurentino
Acho bonito o inverno
Quando o rio está de nado
Que o sapo faz oi aqui
Outro oi do outro lado
Parece dois cantadores
Cantando mourão voltado.


* * *

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