segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

SOBRE O AMOR QUE ESPEROU UMA QUARENTENA...POR BERNARDO CELESTINO PIMENTEL.

          

               LÍ AGORA, UM POEMA DE CARLOS DRUMMOND, PUBLICADO POR WILSON CLETO FILHO, NO BLOG DO C.R.M. E ME LEMBREI DA MINHA INFÂNCIA...

               A COSTUREIRA MAIS FAMOSA DE NOVA CRUZ,NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO PASSADO, CHAMAVA-SE LICA MOUZINHO...

COSTURAVA COM ESMERO, PASSAVA DIAS PARA FAZER UM VESTIDO...TINHA EXCESSO DE PERFECCIONISMO...
COSTURAVA PARA MINHA MINHA MÃE, QUE AINDA ERA SOLTEIRA...
               LICA ERA CASADA COM UM HOMEM ALCOÓLATRA, CHAMADO DÉ...DEVERIA SER UM APELIDO...  
               CERTO DIA, DÉ MANDOU BOTAR O ALMOÇO NA MESA E DESAPARECEU...

PASSOU QUARENTA ANOS SEM NINGUÉM SABER DO SEU PARADEIRO...
               UM DIA, QUARENTA ANOS DEPOIS,LICA ESTAVA COSTURANDO,

O QUE SEMPRE FEZ PARA SUSTENTAR SUAS DUAS FILHAS: CORINA DE TOSCANO E NAIR DE PEDRO NECO, AGORA JÁ CASADAS...NISTO ENTRA DÉ, DE MALA E CUIA...

SUAS ÚNICAS PALAVRAS:LICA,BOTE O ALMOÇO NA MESA QUE EU QUERO ALMOÇAR...
VIM MORRER EM CASA...

UMA CHEGADA SEM LITURGIA:SEM BEIJOS E SEM ABRAÇOS...SOMENTE UMA CARA DE CHEIO DE RAZÃO...

               LICA NÃO LHE PERGUNTOU NADA...

NEM O QUE ELE FEZ, NEM  O QUE ELE TROUXE...


MECANICAMENTE, SE LEVANTOU E BOTOU O ALMOÇO...CONVIVEU COM ELE ATÉ  O SEU FALECIMENTO...CURTINDO SUAS MALEITAS E SUA CIRROSE.

FOI O QUE A AMAZONAS LHE DEU...ELE QUERIA OURO,E CONSEGUIU MALÁRIA...
               

              DEPOIS DE VELHA,80 AN0S, LICA PASSAVA TEMPORADAS NA CASA DE MEUS PAIS, EU CRIANÇA, CANSEI DE ESCUTAR ESTA HISTÓRIA, CONFIRMADA POR MEU PAI E MINHA MÃE...

               EU  ADORAVA AS TEMPORADAS DE LICA EM NOVA CRUZ ,SEM LUZ...

ELA TINHA PAVOR A ESCURIDÃO, E NA SUA BAGAGEM ERA INDISPENSÁVEL, UM TERÇO E UM CANDEEIRO...
Á NOITE, QUANDO TODOS DORMIAM, EU INVENTAVA QUE EXISTIA UM LADRÃO QUE ACABARA DE FUGIR DO PRESÍDIO...LICA FICAVA ASSOMBRADA E REZAVA MUITOS TERÇOS...NESTE ÍNTERIM, EU APAGAVA O CANDEEIRO...ELA FICAVA LOUCA VARRIDA...
  









Nossa mãe, o que é aquele

vestido, naquele prego?

Minhas filhas, é o vestido

de uma dona que passou.


Passou quando, nossa mãe?

Era nossa conhecida?

Minhas filhas, boca presa.

Vosso pai evém chegando.

Nossa mãe, esse vestido

tanta renda, esse segredo!

Minhas filhas, escutai

palavras de minha boca.

Era uma dona de longe,

vosso pai enamorou-se.


E ficou tão transtornado,

se perdeu tanto de nós,

se afastou de toda vida,

se fechou, se devorou.

Chorou no prato de carne,

bebeu, gritou, me bateu,

me deixou com vosso berço,

foi para a dona de longe,

mas a dona não ligou.

Em vão o pai implorou,

dava apólice, fazenda,

dava carro, dava ouro,

beberia seu sobejo,

lamberia seu sapato.

Mas a dona nem ligou.

Então vosso pai, irado,

me pediu que lhe pedisse,

a essa dona tão perversa,

que tivesse paciência

e fosse dormir com ele...

Nossa mãe, por que chorais?

Nosso lenço vos cedemos.

Minhas filhas, vosso pai

chega ao pátio. Disfarcemos.

Nossa mãe, não escutamos

pisar de pé no degrau.

Minhas filhas, procurei

aquela mulher do demo.

E lhe roguei que aplacasse

de meu marido a vontade.

Eu não amo teu marido,

me falou ela se rindo.

Mas posso ficar com ele

se a senhora fizer gosto,

só para lhe satisfazer,

não por mim, não quero homem.

Olhei para vosso pai,

os olhos dele pediam.

Olhei para a dona ruim,

os olhos dela gozavam.

O seu vestido de renda,

de colo mui devassado,

mais mostrava que escondia

as partes da pecadora.

Eu fiz meu pelo-sinal,

me curvei... disse que sim.

Saí pensando na morte,

mas a morte não chegava.

Andei pelas cinco ruas,

passei ponte, passei rio,

visitei vossos parentes,

não comia, não falava,

tive uma febre terçã,

mas a morte não chegava.

Fiquei fora de perigo,

fiquei de cabeça branca,

perdi meus dentes, meus olhos,

costurei, lavei, fiz doce,

minhas mãos se escalavraram,

meus anéis se dispersaram,

minha corrente de ouro

pagou conta de farmácia.

Vosso pai sumiu no mundo.

O mundo é grande e pequeno.

Um dia a dona soberba

me aparece já sem nada,

pobre, desfeita, mofina,

com sua trouxa na mão.

Dona, me disse baixinho,

não te dou vosso marido,

que não sei onde ele anda.

Mas te dou este vestido,

última peça de luxo

que guardei como lembrança

daquele dia de cobra,

da maior humilhação.

Eu não tinha amor por ele,

ao depois amor pegou.

Mas então ele enjoado

confessou que só gostava

de mim como eu era dantes.

Me joguei a suas plantas,

fiz toda sorte de dengo,

no chão rocei minha cara,

me puxei pelos cabelos,

me lancei na correnteza,

me cortei de canivete,

me atirei no sumidouro,

bebi fel e gasolina,

rezei duzentas novenas,

dona, de nada valeu:

vosso marido sumiu.

Aqui trago minha roupa

que recorda meu malfeito

de ofender dona casada

pisando no seu orgulho.

Recebei esse vestido

e me dai vosso perdão.

Olhei para a cara dela,

quede os olhos cintilantes?

quede graça de sorriso,

quede colo de camélia?

quede aquela cinturinha

delgada como jeitosa?

quede pezinhos calçados

com sandálias de cetim?

Olhei muito para ela,

boca não disse palavra.

Peguei o vestido, pus

nesse prego da parede.

Ela se foi de mansinho

e já na ponta da estrada

vosso pai aparecia.

Olhou para mim em silêncio,

mal reparou no vestido

e disse apenas: Mulher,

põe mais um prato na mesa.

Eu fiz, ele se assentou,

comeu, limpou o suor,

era sempre o mesmo homem,

comia meio de lado

e nem estava mais velho.

O barulho da comida

na boca, me acalentava,

me dava uma grande paz,

um sentimento esquisito

de que tudo foi um sonho,

vestido não há... nem nada.

Minhas filhas, eis que ouço

vosso pai subindo a escada.


(Caso do Vestido - A Rosa do Povo)





Nenhum comentário:

Postar um comentário