sábado, 23 de fevereiro de 2013

POLÍTICA...

“Eu não aceito!”


Perdoem a exceção, prezados leitores, mas este artigo do antropólogo
Roberto
Damatta, em seu blog no Estadao.com, merece o devido destaque

"Quando o hígido Michel Temer vira poeta e Renan Calheiros - acusado
pela
Procuradoria Geral da República de peculato, falsidade ideológica e uso
de
documento falso - é apossado (com voto secreto - o voto da covardia) na
Presidência do Senado Federal no posto número 3 da sucessão republicana
e
entra no papel dando uma aula de ética e com apoio do PSDB, um lado meu
pergunta ao outro se não estaria na hora de sumir do Brasil.

Se não seria o momento de pegar o meu chapéu e deixar de escrever,
abandonar
o ensino das antropologias, desistir do trabalho honesto, beber fel,
tornar-me um descrente, aloprar-me, abandonar a academia (de ginástica,
é
claro), deixar-me tomar pela depressão, desistir de sonhar,
aniquilar-me,
andar de joelhos, dar um tiro no pé, filiar-me a uma seita de suicidas,
mijar sentado, avagabundar-me, virar puxa-saco, fazer da mentira a minha
voz; e - eis o sentimento mais triste - deixar de amar, de imaginar, de
ambicionar e de acreditar. Abandonar-me a esse apavorante cinismo
profissional que toma conta do País - esse inimigo da inocência -,
porque
minha cota de ingenuidade tem sido destroçada por esses eventos. Eu não
posso aceitar viver num país que legaliza a ilegalidade, tornando-a um
valor. Eu não posso aceitar um conluio de engravatados que vivem como
barões
à custa do meu árduo trabalho.

'A ética não é um objetivo em si mesmo. O objetivo em si mesmo é o
Brasil, é
o interesse nacional. A ética é obrigação de todos nós e é dever deste
Senado', professa Renan Calheiros, na sua preleção de po(s)se.

Para ele, a ética, o Brasil, o dever, o interesse e as obrigações são
coisas
externas. Algo como a gravata italiana que chega de fora para dentro e
pode
ou não ser usada. Façamos uma lei que torne todo mundo ético e, pronto!,
resolvemos o problema da cena política brasileira - esse teatro de
calhordices.

A ética não é a lei. A lei está escrita no bronze ou no papel, mas a
ética
está inscrita na consciência ou no coração - quando há coração... Por
isso,
ela não precisa de denúncias de jornais, nem de sermões, nem de
demagogia,
nem da polícia! A lei precisa da polícia, o moralismo religioso carece
dos
santarrões e as normas, de fiscais. A ética, porém, requer o senso de
limites que obriga à mais dura das coragens: a de dizer não a si mesmo
e, no
caso deste Brasil impaludado de lulopetisto, a de negar o favor absurdo
ou
criminoso à namorada, ao compadre, ao companheiro, ao irmão, ao amigo.

'O Zé é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo!', eis a cínica palavra
de
ordem de um sistema totalmente aparelhado e dominado pelo poder feito
para
enriquecer a quem o usa, sem compostura, o toma lá dá cá com tonalidades
pseudoideológicas, emporcalhando a ideologia.

Quem é que pode acreditar na possibilidade de construir um mundo mais
justo
e igualitário no qual a esfera pública, tocada com honestidade, é um
ideal,
com tais atores? Justiça social, honestidade, retidão de propósito são
valores que formam parte da minha ideologia; são desígnios que acredito
e
quero para o Brasil. Ver essa agenda ser destruída em nome dos que
tentaram
comprar apoio político e hoje se dizem vítimas de um complô fascista,
embrulha o meu estômago. Isso reduz a pó qualquer agenda democrática
para o
Brasil.

O cínico - responde meu outro lado - precisa (e muito) de polícia; o
ético
tem dentro de si o sentido da suficiência moral. Ela ou ele sabem que em
certas situações somente o sujeito pode dizer sim (ou não!) a si mesmo.
Isso
eu não faço, isso eu não aceito, nisso eu não entro. É simples assim. A
camaradagem fica fora da ética, cujo centro é o povo como figura central
da
democracia.

O que vemos está longe disso. Um eleito condenado pelo STF é empossado
deputado, Maluf - de volta ao proscênio - sorri altaneiro para os
fotógrafos, um outro companheiro com um passado desabonado por acusações
vai
ser eleito presidente da Câmara; a presidente age como a rainha Vitória.
E o
Direito: o correto e o honesto viram 'direita'. Entrementes, a
'esquerda'
tenta desmoralizar a Justiça porque não aceita limites nem admite
abdicar de
sua onipotência. Articula-se objetivamente, com uma desfaçatez
alarmante,
uma crise entre poderes exatamente pela mais absoluta falta de ética,
esse
espírito de limite ausente dos donos do poder neste Brasil de conchavos
vergonhosos e inaceitáveis. Você, leitor pode aceitar e até considerar
normal. Eu não aceito!".

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