segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Violante Pimentel


              José era lavador de carros. Muito conversador, gostava de se mostrar um homem correto e sem vícios.
Entre os carros que costumava lavar semanalmente, estava a Parati de um representante comercial de meia idade, cujo escritório ficava nas proximidades.
José não parava de falar e sempre puxava assunto com os fregueses, enquanto estes aguardavam que ele terminasse as lavagens. Num certo dia, enquanto terminava de enxugar o carro do seu mais assíduo freguês, o representante comercial, o lavador resolveu lhe contar sua vida, e assim falou:
-O senhor sabia que eu já fui cego?
Surpreso e penalizado, o dono do carro perguntou:
– E como conseguiu se curar?
O lavador respondeu:
– É o seguinte, doutor: Existe o cego de nascença e o que ficou cego depois que nasceu. Mas também existe o cego por necessidade, que fica bom na hora que quer, sem precisar de médico. E eu já fui cego por necessidade. Comecei minha carreira na porta da Igreja. Ganhei tanto dinheiro de esmola, que deu para eu juntar e comprar um quartinho para morar. O povo tinha muita pena de mim.
O dono do carro, curioso, perguntou:
-Foi seu primeiro trabalho?
– Não! – respondeu o lavador – Antes de ser cego, eu fui perneta. Usava uma perna de pau dentro de uma calça folgada, e recebia muita esmola. Mas um dia, apareceu uma autoridade policial aqui na cidade, querendo endireitar o Brasil, e mandou tirar todos os mendigos das ruas. Foi uma verdadeira caça aos mendigos. Uma grande perseguição. Numa manhã, eu estava sentado na calçada da Igreja pedindo esmolas, quando a viatura da Polícia parou. Correu mendigo para todo lado. Minha perna de pau me atrapalhou e eu não pude correr. Então, eu fui levado para o xadrez. Fiquei preso dois dias. Depois que me soltaram, senti muito desgosto e resolvi mudar de profissão. A perseguição aos mendigos acabou logo, e a quantidade de pessoas nas ruas, pedindo esmolas, aumentou ainda mais.
Depois de pensar muito, resolvi ser cego, por necessidade. Treinei um mês em casa, usando uma venda nos olhos de dia e de noite. Dei “show” como cego. Podia haver a maior zoada perto de mim, que eu nem sequer me virava para olhar. Uma vez, presenciei um desastre grande, quando um caminhão, carregado de bebida, bateu numa caminhonete e virou. Foi garrafa quebrada para todo lado. O barulho foi enorme, mas eu nem me mexi. Andava com um cajado velho que tirei do lixo de uma casa rica…
Irônico e curioso, o homem indagou:
-E por que você abandonou a carreira de cego?
– Por causa da concorrência. – respondeu o lavador – Quando eu comecei a me passar por cego, o povo se comovia e me dava esmolas. Depois, apareceram mulheres com crianças desnutridas, alugadas, para pedir esmolas na porta da Igreja, onde era o meu ponto. As pessoas passaram a se comover mais com as mães de araque do que comigo. Fiquei na pior, pois as esmolas diminuíram muito. E a quantidade de mendigos, na porta da Igreja, aumentou ainda mais. Aí eu vi que ser cego não tinha mais futuro… Tinha mais gente pedindo do que dando esmolas.
E foi por causa disso que eu resolvi ser lavador de carros…
Violante Pime
ntel

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