CÍCERO CAVALCANTI
Era um poeta.
Mesmo maltrapilho e sujo era um poeta.
Mesmo dormindo coberto por marquises era um poeta. Mesmo desacreditado. Mesmo meio doido. Mesmo meio fora de eixo.
Um dia conversei com ele.
– Poeta diga uma coisa, onde mora a poesia?
– Mora em uma rua estreita onde só cabe um a cada vez.
– E como é essa rua?
– Cheia de casinhas pequenas, cada uma com sua poesia.
– Poeta diga uma coisa, já viu poesia dentro delas?
– Em uma havia um casal alegre e feliz. Quando olhei pela janela vi que ele entregava uma rosa pra ela. Em outra havia o silêncio respeitoso de um casal emudecido. Era a novela.
– E qual era a residência da poesia mais bonita?
– A que tinha um copo em cima da mesa. Apenas um copo. Havia também um olhar de uma mulher idosa pedindo pra que eu ouvisse suas saudades. E eu ouvi.
– Poeta diga uma coisa, como se reconhece a poesia?
– Poesia são mulheres quengas. Pintam-se exageradamente. Mostram-se. Exibem-se. Mas querem só a paga do reconhecimento. Vivem por aí.
– Poeta diga uma coisa, como se escolhe a poesia?
– As vezes pelo cheiro. Umas cheiram mal porque não tomam banho. Outras não, já acordam com cheiro de chuva e de capim molhado; às vezes pelo olhar que pede para que sejam apanhadas. Como órfãs da mãe eternidade e de um Pai desconhecido.
– Poeta diga uma coisa, onde fica a rua da poesia?
– Isso não sei. Cada poeta tem a sua.
– Poeta diga uma coisa, como se faz uma poesia?
– Não há quem faça. Já nascem feitas como as rosas. A gente apenas escolhe a de mais serventia. Por vezes pra enfeitar um cabelo de morena. Para ganhar um beijo. Pra encher a alma de alegria. Até pra enfeitar a morte. Todos têm sua própria poesia. Eu tenho a minha.
– Poeta diga uma coisa, porque não a vemos em cada pessoa?
– As pessoas têm vergonha dela.
E Armando, como diz ser seu nome, tem a sua rua. Catando poesia e dando beleza a papéis sujos que um dia já foram poesias.
Completamente doido. Completamente poeta..
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