segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

CASCUDO...

DITADOS POPULARES EXPLICADOS POR CÂMARA CASCUDO
A língua portuguesa tem vários recursos. O ditado popular, por tantas vezes, é usado pelas pessoas sem que elas conheçam a origem ou o real significado. As versões originais desses termos populares vão sendo alteradas e terminam se espalhando.Camara_cascudo
O historiador e antropólogo Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) já afirmava: “Os ditados populares sempre estiveram presentes ao longo de toda a história da humanidade”. No nosso país, isso não constitui nenhuma novidade. Às vezes, aparecem expressões insólitas e desprovidas de sentido, porém muito importante para a cultura popular.
Selecionamos algumas dessas expressões estudadas pelo grande pesquisador Câmara Cascudo:
Lágrimas de crocodilo
O crocodilo, quando ingere um alimento, faz forte pressão contra o céu da boca, comprimindo as glândulas lacrimais. Assim, ele chora enquando devora a vítima. Daí a expressão significar choro fingido.
Queimar as pestanas
Antes do aparecimento da eletricidade, recorria-se a uma lamparina ou uma vela para iluminação. A luz era fraca e, por isso, era necessário colocá-las muito perto do texto quando se pretendia ler o que podia dar num momento de descuido queimar as pestanas. Por essa razão, aplica-se àqueles que estudam muito.
Pensando na morte da bezerra
Estar distante, pensativo, alheio a tudo.
Esta é bíblica. Como vocês sabem, o bezerro era adorado pelos hebreus e sacrificados para Deus num altar. Quando Absalão, por não ter mais bezerros, resolveu sacrificar uma bezerra, seu filho menor, que tinha grande carinho pelo animal, se opôs. Em vão. A bezerra foi oferecida aos céus e o garoto passou o resto da vida sentado do lado do altar “pensando na morte da bezerra”. Consta que meses depois veio a falecer.
Onde judas perdeu as botas
Como todos sabem, depois de trair Jesus e receber 30 dinheiros, Judas caiu em depressão e culpa, vindo a se suicidar enforcando-se numa árvore.
Acontece que ele se matou sem as botas. E os 30 dinheiros não foram encontrados com ele. Logo os soldados partiram em busca as botas de Judas, onde, provavelmente, estaria o dinheiro.
A história é omissa daí pra frente. Nunca saberemos se acharam ou não as botas e o dinheiro. Mas a expressão atravessou vinte séculos. Atualmente, o ditado significa lugar distante, inacessível.
Casa de mãe Joana
Este dito popular tem origem na Itália. Joana, rainha de Nápoles e condessa de Provença (1326-1382), liberou os bordéis em Avignon, onde estava refugiada, e mandou escrever nos estatutos: “Que tenha uma porta por onde todos entrarão”.
O lugar ficou conhecido como Paço de Mãe Joana, em Portugal. Ao vir para o Brasil a expressão virou “Casa da Mãe Joana”. A outra expressão envolvendo Mãe Joana, um tanto chula, tem a mesma origem, naturalmente.
Gatos pingados
Esta expressão remonta a uma tortura procedente do Japão que consistia em pingar óleo fervente em cima de pessoas ou animais, especialmente gatos.
Existem várias narrativas ambientais na Ásia que mostram pessoas com os pés mergulhados num caldeirão de óleo quente. Como o suplício tinha uma assistência reduzida, tal era a crueldade, a expressão “gatos pingados” passou a significar pequena assistência sem entusiasmo ou curiosidade para qualquer evento.
Sem papas na língua
Significa ser franco, dizer o que sabe, sem rodeios. A expressão vem da frase castelhana “no tener pepitas em la lengua”. Pepitas, diminutivo de papas, são partículas que surgem na língua de algumas galinhas, é uma espécie de tumor que lhes obstrui o cacarejo. Quando não há pepitas (papas), a língua fica livre.
A toque de caixa
A caixa é o corpo oco do tambor que foi levado para a a Europa pelos árabes. Como os exercícios militares eram acompanhados pelo som de tambores, dizia-se que os soldados marchavam a toque de caixa. Atualmente, refere-se a uma tarefa que se tem de fazer rapidamente, eventualmente a mando de alguém ou mesmo à força.
Maria vai com as outras
Dona Maria I, mãe de D. João VI (avó de D. Pedro I e bisavó de D. Pedro II), enlouqueceu de um dia para o outro . Declarada incapaz de governar, foi afastada do trono. Passou a viver recolhida e só era vista quando saía para caminhar a pé, escoltada por numerosas damas de companhia. Quando o povo via a rainha levada pelas damas nesse cortejo, costumava comentar: “Lá vai D. Maria com as outras”. Atualmente aplica-se a expressão a uma pessoa que não tem opinião e se deixa convencer com a maior facilidade.
Testa de ferro
O Duque Emanuele Filiberto di Savoia, conhecido como Testa di Ferro, foi rei de Chipre e Jerusalém. Mas tinha somente o título e nenhum poder verdadeiro. Daí a expressão ser atribuída a alguém que aparece como responsável por um por um negócio ou empresa sem que o seja efetivamente.
Quem não tem cão caça com gato
Se você não pode fazer algo de uma maneira, se vira e faz de outra. Na verdade, a expressão, com o passar dos anos, se adulterou. Inicialmente se dizia “quem não tem cão caça como gato”, ou seja, se esgueirando, astutamente, traiçoeiramente, como fazem os gatos.
Fonte: Cascudo, Luís da Câmara. Locuções Tradicionais no Brasil. São Paulo, Editora Global/2004.

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