sábado, 9 de janeiro de 2016

VATES POPULARES...

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Poeta repentista pernambucano Oliveira de Panelas, um dos maiores cantadores da atualidade
Oliveira de Panelas
Por este espaço onde moro
Meu sonho é tão colorido
Que eu tenho a doida impressão
Que ele foi construído
Por várias tintas confusas
De um arco-íris mexido.
* * *
Pinto do Monteiro
Com a matéria abatida
Eu de muito longe venho
Com este espinhoso lenho
Tombando na minha vida
Tenho a lembrança esquecida
Uma rouquice ruim
A vida quase no fim
A cabeça meio tonta
Quem for novo tome conta
Cantar não é mais pra mim.
* * *
Cego Aderaldo
Ó Santo de Canindé
que Deus te deu cinco chagas
fazei com que este povo
pra mim faça as pagas
uma sucedendo as outras
como o mar soltando vagas.
* * *
Louro Branco
E por falar em cachaça
Eu já tomei mais d’um tubo
Estou feito terra fraca
Precisando de adubo
Em mulher num subo mais
Mas em cantador eu subo.
* * *
Dedé Monteiro
No dia de abandonar
O meu torrão querido,
Ouvi meu próprio gemido
A me pedir pra ficar…
Mas, vendo que de voltar
Havia pouca esperança,
Triste como uma criança
Que está com fome ou com sede
No punho da minha rede
Deixei um nó por lembrança.
* * *
Zé Catota
Meu sonho foi diferente
Foi coisa desconhecida
Eu vi dois vultos passando
Em carreira desmedida
Era o cavalo do tempo
Atrás da besta da vida.
* * *
Josenir Lacerda
A poesia pra mim
É uma amiga sincera
Que assume meus queixumes
Faz de inverno, primavera
Compreende os meus medos
Guarda fiel meus segredos
Meu sonho, minha quimera.
* * *
Manoel Xudu
Poesia tão linda e soberana
E tão pura, tão branca igual a um véu…
Está na terra, no mar, está no céu
E no pelo que tem a jitirana.
Ela está em quem vive a cortar cana
Quando volta pra casa ao meio dia…
Está num bolo de fava insossa e fria
Que um pobre mastiga com linguiça.
Está na paz, no amor e na justiça
O mistério da doce poesia.
* * *
Zé Bernardino
Eu nada fiz na jornada
Nada ganhei nem perdi
Nada ignoro do nada
Porque do nada nasci.
Se o nada foi um abrigo
Seja o nada meu jazigo
Pois nada disso me enfada.
Eu de nada fiz estudo ,
Mas sei que o nada faz tudo
E tudo se torna em nada.
* * *
Luciano Maia
Cantor das coivaras queimando o horizonte,
Das brancas raízes expostas à lua,
Da pedra alvejada, da laje tão nua
Guardando o silêncio da noite no monte.
Cantor do lamento da água da fonte
Que desce ao açude e lá fica a teimar
Com o sol e com o vento, até se finar
No último adejo da asa sedenta,
Que busca salvar-se da morte e inventa
Cantigas de adeuses na beira do mar.
* * *
Um folheto de Pedro Paulo Paulino
PELEJA DE DOIS POETAS FALANDO DE VIOLÊNCIA
folheto
No sítio Bandeira Branca
Numa noite de viola,
Dois famosos repentistas
Puxaram pela cachola,
Pra falar da violência
Que o nosso Brasil assola.
Mangabeira e Curió,
Cada qual o mais batuta,
Para cantar qualquer coisa
Essa dupla não reluta,
Mais ou menos como segue
Foi começada a disputa.
*
Mangabeira
Há quem diga que museu
É que vive do passado.
Mas neste mundo moderno,
Cada vez mais avançado,
Vejo o homem mais confuso,
Como um velho parafuso
Por si próprio desgastado.
Curió
Com a ciência a seu lado
E a tecnologia,
Descobertas importantes
A gente vê todo dia,
Mas o homem não supera
Dentro dele a besta-fera
Do crime e da covardia.
Mangabeira
Com tanta sabedoria,
Com toda a sua potência,
O homem não se supera
Nessa brutal violência
Que de maneira infeliz
Domina todo o país,
Com a total resistência.
Curió
O crime e sua influência
Em nossa sociedade
É matéria tão comum
Que virou banalidade.
Perante a situação,
Hoje em dia o cidadão
É quem vive atrás da grade.
Mangabeira
Não se tem mais liberdade,
O povo vive acuado,
Para proteger a casa
De ferro eu vivo cercado;
Do portão para a janela
Nossa casa virou cela,
E o bandido solto ao lado.
Curió
Hoje, o crime organizado
Toma conta do Brasil,
A polícia não se entende,
Militar com a civil:
Enquanto a revolta assola
A política usa pistola,
O ladrão usa fuzil.
Mangabeira
São mais de quarenta mil
Assassinatos por ano.
São ocorrências sem conta
Todo dia, não me engano.
Pelas causas mais banais,
Já não se respeita mais
A vida do ser humano.
Curió
Governo diz que tem plano
Mas só na conversa fica.
Se tem a lei pra punir
O país não a pratica.
Já sendo a lei tão morosa,
A justiça vagarosa
Dorme mais que gato em bica.
Mangabeira
Agora, que a classe rica
É pelo drama atingida,
Com os donos do poder
Correndo risco de vida,
O governo, a quem comete
Solução, então promete
Adotar séria medida.
Curió
Mas como encontrar saída
Batendo a língua nos dentes?
Só discurso não resolve,
Sem as ações competentes.
Com tanta conversa mole,
Só vejo aumentar a prole
Da turma dos delinquentes.
Mangabeira
As crianças indigentes
Por aí abandonadas
São clonagens sucessivas
De gerações desprezadas,
Dessas que futuramente
Vão compor os contingentes
Das gangues organizadas.
Curió
Nas cidades avançadas
Se agrava a situação.
O terror tomou de conta
De toda a população.
Quanto mais o povo berra,
Ficada declarada a guerra
Do bandido ao cidadão.
Mangabeira
De trinta e oito na mão
É comum se ver menino
De doze anos de idade
Sendo um assaltante fino,
Pois tem lei pra protegê-lo,
Em breve será modelo
No submundo assassino.
Curió
O povo, no desatino,
Não achando um pulso forte,
Só malhando em ferro frio
Dando o voto, seu suporte,
No desespero fatal
Lança um apelo, afinal,
Pedindo a pena de morte.
Mangabeira
Não é esse o passaporte
Para o Brasil desejado:
Punir a morte, matando,
Será erro do Estado.
Já que o crime não compensa,
Certo mesmo está quem pensa
Tornar o povo educado.
Curió
Eu fico do outro lado,
Pois já penso diferente:
Eu acho a pena de morte
Uma saída excelente.
A revolta eu não escondo:
Quando o crime é hediondo,
Que se mate o delinquente!
Mangabeira
Vez por outra, um inocente,
Da maneira mais brutal,
Onde tem pena de morte
Pega a pena capital.
Da fogueira à guilhotina,
Nem a cadeira assassina
Nos libertou desse mal.
Curió
Se a ação policial
Não consegue dar um corte
Na violência, e o bandido
Tem a arma e tem o porte,
Mata a torto e a direito,
Eu acho muito bem feito
Haver a pena de morte.
Mangabeira
Para nossa triste sorte
A “pena” temos de fato:
São os crimes de extermínio
Com todo seu aparato,
As execuções sumárias,
Revoltas nas carcerárias,
Brigas por terra no mato.
Curió
O povão, que paga o pato,
É o mais desprotegido.
O governo é como cego
No tiroteio, perdido.
Cada ação que ele promete
Está jogando confete
Na folia do bandido.
Mangabeira
Agora, atendo um pedido
Que me chega da plateia,
É alguém dando uma ideia
Para acabar com bandido.
Neste país encardido
De desgraça, não convém
Adotar um plano, sem
Enxergar essa matéria:
É sepultando a miséria
Que eu vejo nascer o bem.
Curió
No país do desemprego,
Que não resolve esse impasse,
Cada faminto que nasce
É um presente de grego.
Com o mal tem logo apego,
Que de encontro a ele vem,
Manda logo um pro além,
A vida vira pilhéria:
É sepultando a miséria
Que eu vejo nascer o bem.
Mangabeira
A miséria traz sequela
Difícil de se apagar,
Basta a gente observar
A vida lá na favela.
Começa pela panela,
Quando a panela ali tem.
No viaduto também
A coisa fica mais séria:
É sepultando a miséria
Que eu vejo nascer o bem.
Curió
É neste mundo moderno,
De programas sociais,
Pra combater marginais
Que a vida vira um inferno.
E nesse conflito eterno
No qual o povo é refém,
Por dia se matam cem
(Mais que a Aids na Nigéria):
É sepultando a miséria
Que eu vejo nascer o bem.
Mangabeira
Enquanto o governo fala
Em proposta e mais proposta,
Lá no morro ou na encosta
Todo dia ronca a bala.
Uma guerra nessa escala
Assusta qualquer “Russein”.
Aqui é só o que tem
Da forma mais deletéria:
É sepultando a miséria
Que eu vejo nascer o bem.
Curió
Desse jeito está a vida
Montada na corda bamba,
No Brasil de bola e samba,
Sequestro e bala perdida.
“Do que a terra mais garrida”
Muita coisa aqui se tem.
Está faltando, porém,
Uma lei honesta e séria:
É sepultando a miséria
Que eu vejo nascer o bem.
* * *
Sem vencido e vencedor
Terminou a discussão
Da dupla de repentistas
Aplaudidos no salão.
E pelo tema em cartaz
Deram em nome da Paz
Um forte aperto de mão!

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