quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

LITERATURA DE CORDEL...

Ao leitor peço licença
pra narrar uma passagem
da vida de um mentiroso,
como simples amostragem,
pra que fique registrada
sua pitoresca imagem.
Num tempo muito distante,
na aldeia de um reinado,
havia um certo vassalo
em mentiras viciado.
Como o maior mentiroso
ainda hoje é lembrado.
Mentir para ele era
a coisa mais natural,
talvez falar a verdade
nele fosse algo anormal,
pois na arte da mentira
jamais encontrou rival.
(1)
Contava suas lorotas
sem nenhum acanhamento.
Não escolhia local,
nem o público ou o momento,
até que um dia chegou
do rei ao conhecimento.
Este montou no cavalo
e partiu muito garboso
no intuito de conhecer
o súdito mentiroso
que, afinal, em todo o reino
já se fizera famoso.
Chegando à aldeia, o rei
convocou o especialista
em mentiras, que até
já posava de artista,
para ter com Sua Alteza,
uma urgente entrevista.
O rei ao tal mentiroso
um desafio propôs:
deveria 100 mentiras
novas ter pra contar, pois
voltaria para ouvi-las
uma semana depois.
(2)
Se vencesse o desafio
proposto dentro do prazo,
ganharia 100 moedas
de ouro sem qualquer atraso.
Do contrário, era certeza
na forca acabar seu caso.
Palavra de rei não volta
de forma nenhuma atrás.
O mentiroso sentiu-se
em seu mister incapaz.
Num desespero terrível,
perdeu o sono e a paz.
Na véspera da chegada
do rei novamente à aldeia,
o filho do mentiroso,
percebendo a coisa feia,
falou: – Papai, não se aflija,
vou lhe tirar dessa teia.
Disse ainda ao pai aflito:
– Pode dormir sossegado,
recebo amanhã o rei,
fique em seu quarto trancado.
Confie em mim, pois garanto
que dou conta do recado.
(3)
Quando o rei voltou já foi
ao menino as ordens dando:
– Vá logo chamar seu pai!
O menino foi falando:
– Majestade, ele partiu
ainda com o sol raiando.
Saiu pra fazer contagem
de 100 colmeias, porém
faltou uma abelha e ele,
que apego ao trabalho tem,
foi procurá-la na mata
sem auxílio de ninguém.
Terminou por encontrá-la
em uma folha enganchada.
Veio buscar o machado
pra com uma machadada
cortar a folha, mas teve
a sua intenção frustrada.
A ferramenta quebrou-se
e ele seguiu apressado
rumo à casa do ferreiro
pra consertar o machado
que, após derreter demais,
num anzol foi transformado.
(4)
Aí meu pai foi pescar
num riacho de água escura,
mas lá teve uma surpresa
que quase não se segura:
pescou um boi com uma carga
de cachaça e rapadura.
Acontece que o bovino
tinha um grande ferimento
numa das patas. O pai,
sem  perder um só momento,
na Casa Veterinária
foi buscar medicamento.
Lá, informaram que fava
deixava a pata curada.
O meu pai voltou correndo,
sem atentar pra mais nada,
sequer perguntou se a fava
seria inteira ou quebrada.
Então, na dúvida, aplicou
no bicho uma fava inteira.
Pra seu espanto, nasceu
no animal, uma faveira
que botou fava adoidado
e ele foi vender na feira.
(5)
Depois, conduziu ao pasto
o boi, montando um cavalo
que tem chocalho de cera,
sendo de lã o badalo.
Ouço ele tocando agora…
Senhor Rei pode escutá-lo?
O rei fitou o menino,
murmurando encabulado:
– Esse nem saiu daqui,
 está assim informado…
Pense agora no pai dele
e o que terá inventado!
– Pegue aqui essas moedas,
entregue a seu pai e diga
que o rei se deu por vencido,
pois logo sentiu fadiga
com as mentiras do filho.
– Mentirosos de uma figa!
Foi embora e o menino,
feliz tal qual um guerreiro,
chamou o pai, muito eufórico:
– Meu pai, venha aqui ligeiro,
consegui vencer o homem
e ainda ganhei dinheiro!
(6)
Das moedas recebidas,
deu ao pai só a metade,
embolsando a outra parte
com a maior tranquilidade.
Mais um grande mentiroso
nascia ali, na verdade!
Filho de peixe é peixinho,
um velho ditado diz.
Aquele menino esperto
provou ser bom aprendiz.
As espertezas do filho
deixaram o pai feliz.
E assim, no reino distante,
a partir daquele dia,
pai e filho decidiram
fundar uma companhia
de humor que em toda parte
shows de mentira exibia.
As coisas mais absurdas
eles faziam questão
de contar pra divertir
a incauta população,
sempre faturando bem
em cada apresentação.
(7)
O espaço é ilimitado
e a todos está aberto.
Muita gente afirma que
“o mundo é do mais esperto”.
É difícil concordar
que isso, afinal, seja certo…
Concluindo a narração
que a fazer eu me dispus,
resta só pedir desculpas
pelas mentiras que pus
nesta estória estapafúrdia
que a lugar nenhum conduz.
Espero, pois, que o leitor
não se mostre aborrecido
com o poeta que apenas
tentou narrar o ocorrido
num reino que talvez nem
tenha de fato existido.

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