sábado, 28 de junho de 2014

A POESIA DE CARLOS DRUMOND...O SERMÃO DA PLANÍCIE.



          Sermão da planície (para não ser 

escutado)




Bem-aventurados os que não entendem 

nem aspiram a entender de futebol, pois 

deles é o reino da tranqüilidade.


Bem-aventurados os que, por entenderem 

de futebol, não se expõem ao risco de 

assistir às partidas, pois não voltam com 

decepção ou enfarte.


Bem-aventurados os que não têm a 

paixão 

clubista, pois não sofrem de janeiro a 

janeiro, com apenas umas colherinhas de 

alegria a título de bálsamo, ou nem isto.


Bem-aventurados os que não escalam, 

pois não terão suas mães agravadas, seu 

sexo contestado e sua integridade física 

ameaçada, ao saírem do estádio.


Bem-aventurados os que não são 

escalados, pois escapam de vaias, 

projéteis, contusões, fraturas, e mesmo 

da glória precária de um dia.


Bem-aventurados os que não são 

cronistas esportivos, pois não carecem 

de 

explicar o inexplicável e racionalizar a 

loucura.


Bem-aventurados os fotógrafos que 

trocaram a documentação do esporte pela 

dos desfiles de modas, pois não precisam 

gastar tempo infindável para fotografar o 

relâmpago de um gol.


Bem-aventurados os fabricantes de bolas 

e chuteiras, que não recebem as 

primeiras 

na cara e as segundas na virilha, como os 

atletas e assistentes ocasionais de 

peladas.


Bem-aventurados os que não 

conseguiram 

comprar televisão a cores a tempo de 

acompanhar a Copa do Mundo, pois, 

assistindo pelo aparelho do vizinho, 

sofrem sem pagar 20 prestações pelo 

sofrimento.


Bem-aventurados os surdos, pois não os 

atinge o estrondar das bombas da vitória, 

que fabricam outros surdos, nem o 

matraquear dos locutores, carentes de 

exorcismo.


Bem-aventurados os que não moram em 

ruas de torcida institucionalizada, ou em 

suas imediações, pois só recolhem 50% 

do barulho preparatório ou 

comemoratório.


Bem-aventurados os cegos, pois lhes é 

poupado torturar-se com o espetáculo 

direto ou televisionado da marcação 

cerrada, que paralisa os campeões, ou do 

lance imprevisível, que lhes destrói a 

invencibilidade. 


Bem-aventurados os que nasceram, 

viveram e se foram antes de 1863, quando 

se codificaram as leis do futebol, pois 

escaparam dos tormentos da torcida, 

inclusive dos ataques cardíacos 

infligidos 

tanto pela derrota como pela vitória do 

time bem-amado.


Bem-aventurados os que, entre a bola e o 

botão, se contentaram com este, 

principalmente em camisa, pois se 

consolam mais facilmente de perder o 

botão da roupa do que o bicho da vitória.


Bem-aventurados os que não confundem 



derrota do time da Lapônia pelo time da 

Terra do Fogo com a vitória nacional da 

Terra do Fogo sobre a Lapônia, pois a 

estes não visita o sentimento de guerra.


Bem-aventurados os que, depois de 

escutar este sermão, aplicarem todo o 

ardor infantil no peito maduro para 

desejar a vitória do selecionado 

brasileiro 

nesta e em todas as futuras Copas do 

Mundo, como faz o velho sermoneiro 

desencantado, mas torcedor assim 

mesmo, pois para o diabo vá a razão 

quando o futebol invade o coração.



Carlos Drummond de Andrade nasceu em 

Itabira do Mato Dentro - MG, em 31 de 

outubro de 1902. De uma família de 

fazendeiros em decadência, estudou na 

cidade de Belo Horizonte e com os 

jesuítas no Colégio Anchieta de Nova

 Friburgo RJ, de onde foi expulso por 

"insubordinação mental". De novo em 

Belo Horizonte, começou a carreira de 

escritor como colaborador do Diário de 

Minas, que aglutinava os adeptos locais 

do incipiente movimento modernista 

mineiro. 


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