sexta-feira, 5 de setembro de 2014

ESTUDANDO A LITERATURA DE CORDEL...



Luzimar Medeiros Braga – Breve história do Cordel
Perguntaram, certa vez,
Ao mestre Raymond Cantel,
Um francês, estudioso,
Que saber tem a granel
O que vinha a ser, de fato,
Ao pé da letra, o cordel.
Já de antes, corretamente,
Se podia conceituar
De “narrativa e impressa”,
Vindo ele a acrescentar,
Com todo convencimento,
A palavra, “popular”.
Definitivo, o cordel
Pôde um conceito ganhar:
“É poesia narrativa,
Impressa e popular”,
Por essa forma, podendo
O que se pensa, narrar.
Mas, qual o significado
Do termo, com precisão?…
É porque eram vendidos
Nas feiras ou barracão
Quase sempre pendurados
Em barbante ou em cordão.
De cordão veio o cordel
Esse nome consagrado,
Esse folheto de feira
De bom serviço prestado
Na formação, no informe,
Em tudo que é contado.
Pela Península Ibérica
O cordel se consagrou,
Em Portugal “Folhas  Soltas ”
Ou “Volantes”, se chamou…
Pliegos Sueltos na Espanha
Com esse termo se firmou.
Foi na França,  Colportage…
E com nomes diferentes
Surgiu na Holanda, na Itália
E no novo continente:
Brasil, Peru, Chile, México,
O cordel se fez presente.
O cordel veio ao Brasil
Com os colonizadores,
Por migrantes romanceiros,
Saudosistas, trovadores,
Que liam e escreviam versos
Pra minorar suas dores.
Um destaque interessante
É a postagem da gravura
Para a capa do cordel
Que é feita em Xilogravura
Pelo artista nordestino,
Nota dez nessa pintura.
Antes feita em vinheta
De muita tipografia,
Passou a ser trabalhada
Na madeira, com mestria,
Só com a arte, o estilete
E a tinta para grafia.
Com sua origem chinesa
Já de uso em literatura,
Pelas mãos de portugueses
Chegou a Xilogravura
No Nordeste brasileiro
E se entranhou na cultura.
Mantêm a Xilogravura
Nos melhores patamares
Abraão Batista, José
Borges, Marcelo Soares,
Valdeck de Garanhuns
E outros grandes pilares.
Mas diferem no cordel
Dois itens interessantes,
Um é o tipo de imagem
Na capa desses volantes,
E o volume dos folhetos
Se pequenos ou possantes.
Há cordéiscom oito páginas,
Dez, quatorze ou dezesseis,
Depende muito do tema
Que se escreve com altivez,
Se romance, se história,
Podem ser grandes, talvez.
Hoje toda essa cultura
É típica da Região
Do Nordeste, que se estende
Da Bahia ao Maranhão;
Das capitais dos estados
Às cidades do sertão.
Cordel é literatura,
Traz o romance pra o verso,
Traz ciência, conta história
Que se passou no universo,
Abre o olho do leitor
Se um governo é perverso.
Não é só de lobisomem,
De “camonge”, de assombrar,
Que o cordel nos seus versos
Tem para o povo contar,
Ele, também, é instrumento
De educação popular.
Muitas funções desenvolve
O poeta cordelista:
É um contador de história
E de estória; é romancista,
Cientista, advogado,
Professor e jornalista.
Todo vate cordelista
Sempre tem o compromisso
De escrever para o povo,
De prestar o bom serviço
E nos momentos difíceis
Nunca, jamais, ser omisso.
A procura por cordéis
Cada dia cresce mais,
São eles hoje vendidos,
Das vilas às capitais,
Em feiras, praças, mercados
E nas bancas de jornais.
A poesia popular
Contada pelos poetas
Conta com muitos gêneros,
Com criações inquietas,
Com estilos mais diversos
Para animar suas festas.
Tem a Sextilha  e a Septilha ,
Décima , Parcela , Mourão ,
Tem o Martelo Agalopado ,
Meia-quadra,  Quadra e Quadrão ,
O Galope a Beira-Mar,
E a Toada , em rojão.
Tem, ainda, os estilos
Da Ligeira  e Gemedeira,
E, dividindo os poetas
Com suas verves criadeiras,
Têm o Martelo  e o Mourão
Cantados d’outras maneiras.
Quatro versos tem a Quadra,
Sete sílabas, na fileira,
Rimando a primeira linha
Com a quarta, sua parceira,
Mas, antes se ouvia a rima
Da segunda com a terceira.
Parecendo mais bonita,
Saudosa, terna mais apta,
Existe, também, a Quadra
Cruzando rima em cascata,
Da primeira com a terceira
E da segunda com a quarta.
Como exemplo eu cito uma
Que Zé da Luz escreveu:
“Menina dos ôio grande
Vou fazê dos ôio meu
Dois canequinho de frande
Pra bebê água dos teu.”
A Quadra que foi cantada
Pelos nossos trovadores,
Foi, também, ela usada
Por antigos cantadores
Até meados do século
Dezenove, com primores.
Dizem que a cantoria
De Inácio da Catingueira
Com Romano de Mãe D’Água
Que ocorreu numa feira,
Foi, de Quadra descartada,
Como Sextilha, a primeira.
Merece aqui dar destaque
Ao Galope  a  Beira-Mar,
Composto de onze sílabas
Sem que se possa notar,
Foi inspirado em Iracema
E outras praias do Ceará.
Os poetas cantadores
De improviso, bons artistas,
Os geniais violeiros,
Viam as Sextilhas  versistas
Como “A Deusa Inspiradora
Dos Poetas Repentistas”.
Mas, o que eu vou discorrer
Para atenção despertar,
É no âmbito do cordel,
No conceito como está:
De poesia “Narrativa”,
“Impressa” e “Popular”.
Os estilos mais usados
Hoje pelos cordelistas
Ainda são as Sextilhas,
Sonoras, belas, benquistas,
Onde o poeta inspirado
Põe o seu ponto de vista.
Tem a estrofe da Sextilha
Seis versos, linhas, ou pés,
Com sete sílabas, a forma
Na qual põem os menestréis
As fornadas de poesias
Pra comporem seus cordéis.
A Sextilha tem seus versos
Com sua rima perfeita
Nas linhas pares que são
A segunda, quarta e sexta,
Tornando, assim, a estrofe
Bem mais poética e perfeita.
Agora eu passo a citar
Nosso Rubênio Marcelo
No livro “Reino Encantado
Do Cordel”, trabalho belo
Sobre o grande Patativa
No paraíso singelo:
“Depois se ouviu o gemido
Duma sanfona no ar
Era o Rei do Baião
Acabando de entrar,
Cantando a “Triste Partida”
Somente pra machucar”.
Como nos versos modestos
Deste vate que, com estorvo,
Escreve estrofes pensando
Nas luzes de um mundo novo
Ao lançar como Sextilhas
Essas poesias pra o povo:
“Mas o sonho de Guevara,
A sua marcha ao porvir,
Era o projeto Bolívar
Era a “utopia” Martí,
De poder todos países
Da América Latina unir.”
“Ao enfrentar o inimigo
Casaldáliga confessou:
Chamaram-me subversivo,
E eu lhes direi eu sou;
Com meu povo em luta vivo,
Com meu povo em marcha vou”.
“Firmando o socialismo
Em eloqüente oração
Dizia Dom Helder Câmara:
Bem melhor do que o pão
É a prática da partilha,
É sua justa divisão”.
As estrofes de um Cordel
Carecem, com precisão,
De uma rima consoante
E a correta medição,
Em cada linha, das sílabas
Que soam como canção.
A rima é classificada
Em Toante  e Consoante
A Toante  tem a rima
Incompleta, extravagante,
Rimando fuso e veludo,
Só nas vogais são soantes.
Já as rimas  Consoantes,
Se escuta os sons iguais
Da sílaba tônica que junta
Consoantes e vogais
Como exemplo, a “Paz” que rima
Com a bela palavra “Apraz”.
Muito importante em cordel
É a Metrificação
Onde as sílabas se conta
Só pela unificação
De sons que juntam vogais
Numa só combinação.
Como nos belos versos
De Castro Alves, o Cecéu:
Se/nhor,/Deus/dos/des/gra/ça/dos
Di/zei/me/voz/se/nhor/Deus
Se/de/li/ro ou/se é/ver/da/de
Tan/to hor/ror/pe/ran/te os/céus.”
Quando se faz a contagem
Das sílabas de cada verso,
Chegando a última palavra
Só se conta até o impresso
Da última sílaba mais forte
Pra concluir com sucesso.
De Pessoa será marcada
A última tônica evidente:
O/po/e/ta é/um/fin/gi/DOR.
Fin/ge/tão/per/fei/ta/MEN/te
Que/Che/ga a/fingir/que é/DOR
A/dor/que/de/ve/ras/SEN/te.”
Além da Rima  e da Métrica
Ness’ arte tão importante
Há a Cadência  do verso
Que não é menos galante
Por dar à dança da estrofe
Um ritmo mais elegante.
Se na Cadência de um verso
São suas sílabas mais fortes
A terceira, quinta e sétima,
Deve haver igual suporte
Em toda estrofe, pra o ritmo
Torna-la mais bela e forte.
Do vate Gonçalves Dias
A Cadência  vem ao ar
Pelos versos que combinam
As tônicas que fazem par:
Não/perMI/tam/DEUS/que eu/MORra
Sem/que/VOL/te/PA/ra/LÁ.
A Septilha  ou sete versos
Já é outra modalidade
Na cultura do cordel
Que, com assiduidade,
Os cordelistas externam
Sua arte, a sagacidade.
Os versos que entre si
Fazem rima na Septilha
São segundo, quarto e sétimo
Que, seguindo a escotilha,
Fazem rima quinto e sexto
Com sete sílabas na trilha.
Do poeta Medeiros Braga
Eis, em temas diferentes,
Duas estrofes em Septilhas
Que são a livro inerentes,
“Massacre” que é um grito
De protesto de uma gente:
“Já no campo a vida é dura,
A injustiça ali campeia,
Sofre o homem com estiagem
Ou quando vem muita cheia;
E se um bom inverno dura
Pra produzir com fartura
O preço do grão arreia.”
“As massas ingênuas, dóceis,
Sem a conscientização,
São presas onde o poder
Legitima a exploração
E, de posse desse lacre,
Impõe ao povo o massacre
E a rapinagem à nação.”
A terceira modalidade
Também, usada a granel
São as Décimas que têm
Desempenhado um papel…
Orgulho dos bons poetas
Que valorizam o cordel.
A Décima de sete sílabas
Rima as dez linhas distintas
Da segunda com a terceira;
A primeira, quarta e quinta;
A sexta, a sétima, a décima;
Oitava e nona, sucintas.
A Décima é uma tradição
Da poesia popular,
Usada por cordelistas
E repentistas a cantar
Por vezes fechando glosa
De quem quis participar.
De um ou dois versos, a glosa
Ou o mote, é da poesia.
Cria o espectador
Durante uma cantoria
Pra o repentista incluir
Na Décima, por cortesia.
O poeta Raimundo Asfora,
Tribuno da raça humana,
Deu e ouviu de Otacílio
Batista o mote que ufana:
“Tenho n’alma as tatuagens
Da minha origem cigana”.
“Fui criado entre as miragens
Na solidão do deserto,
De um povo que andava incerto,
Tenho n’alma as tatuagens:
São abstratas imagens
De Alá que não se profana;
Dos chefes de caravana
Me orgulho em ser porta-voz:
Os primitivos heróis
Da minha origem cigana.”
A Décima, também existe
De dez sílabas cantadas
Por violeiro e cordelista
Com as marcas registradas
Nas leituras do cordel,
Nas falas improvisadas.
Isso é parte do Cordel,
Sua história, sua trincheira,
Por onde passaram gênios
Como Gonçalo Ferreira,
Leandro Gomes de Barros,
Ugolino e Zé Limeira.
Cordel que foi declamado
Por Silvino Pirauá,
Francisco Chagas Batista,
Por Patativa, o Patá,
João Martins de Athayde,
Fiúza, Jorge, Alencar,
Pelo Rubênio Marcelo,
Esse gênio dedicado,
Manoel Camilo, Domingos
Medeiros, Cego Aderaldo,
Benedito Generoso,
Manoel Monteiro e Dourado.
Vários ciclos eles narraram
Nas histórias de cordéis,
Como as de Zé Lins do Rego
Do Menino e os coronéis,
A saga de Antônio Silvino,
A brava voz das ralés.
Outros ciclos na história
Narraram, com precisão,
O sofrimento do homem
Na cultura do algodão,
Na borracha, na malária,
Que enricava o patrão.
No cordel cantaram coisa
Surpreendente, engraçada
Do Pavão Misterioso
Tantas vezes laureada,
As Proezas de João Grilo,
E A Princesa Encantada.
Hoje, com o mundo arriando
Insano, célere, brutal,
Pelo processo que torna
O homem mais desigual,
O cordel vem se voltando
Para a questão social.
O Cordel vem se tornando
Num instrumento educativo,
Conscientizador de um povo
Que vegeta, inofensivo,
Acorrentado a um sistema
Sem saber que é cativo.
O Cordel vem se voltando
Para o reconhecimento
Dos que em vida lutaram,
Qual era o seu pensamento,
Sua prática como exemplo
No prazer, no sofrimento.
Vamos, pois, prestigiar
Sua comunicação;
O Cordel que no passado
Foi o “jornal do Sertão”,
E, hoje, é biblioteca,
Cada página uma lição.
Não podia concluir
Este cordel sem citar
O nome de estudiosos
Os quais pude pesquisar
Os resumos mais seletos
Da Poesia Popular.
São eles Câmara Cascudo,
Orígenes Lessa, Leonardo
Mota, Rubênio, Ariano
Suassuna, Liedo, Eduardo,
Thelma e Francisco Linhares
Tendo Otacílio de lado.
Muitos outros bons poetas
Do passado e do presente
Fizeram e fazem sua parte
Quer na escrita ou repente,
Conscientizando seu povo,
Dando saber a sua gente.

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