O PLANGER DOS SINOS.
Yvelise Castro -10/07/2013
Nos idos da segunda metade da década de 1970, eu estava na casa de tia Carmem , em Santa Cruz RN . Percebi que o sino da igreja estava repicando de uma forma muito triste. Ela então me disse que o sino anunciava a morte de uma criança que tinha três meses de idade e era filha de uma pessoa conhecida. Morrera de diarréia e desidratação. Até então eu não conhecia a linguagem dos sinos .Ora alegres , ora tristes. Ela complementou – agora , os sinos batem menos . Antes da chegada do CRUTAC –UFRN, os sinos badalavam o dia inteiro anunciando a morte de gente de tudo quanta era idade. Muitas mortes prematuras de crianças .
Então fiquei atenta à linguagem dos sinos. Eles plangiam e ,logo depois , surgia o triste cortejo à caminho do cemitério. Muitas crianças acompanhavam os anjinhos com grinaldas de flores e folhas naturais . Alguns adultos, e alguém com o pequeno caixãozinho , ora azul , ora branco. Estas cenas se repetiam em Florânia , Santa cruz e Tangará , locais onde trabalhei e residi.
Em Tangará , nunca tinha residido nenhum médico. Tenente Soares – então o prefeito – aprovou a minha sugestão de que seria muito bom para o município ter o seu próprio médico. A assistência médica era feita pelo CRUTAC , uma vez por semana e nos demais dias , os doentes eram conduzidos para Santa Cruz. Fui morar em Tangará e assumi a assistência à saúde da população.
Com um tempo, notei que o sino da igreja estava batendo menos anunciando mortes.
Após algum tempo na cidade, a câmara de vereadores me agraciou com o título de cidadã tangaraense. Como o prefeito havia enfrentado algumas resistências para a minha contratação - pessoas diziam que bastaria o CRUTAC- resolvi fazer uma pesquisa sobre o impacto da presença do médico na mortalidade infantil . Usei os registros de óbito do cartório. No discurso da solenidade eu apresentaria os dados.
Realmente a morte de crianças por diarréia e desidratação mostrava uma curva descendente após a minha chegada . Mas , de repente esta curva caiu de forma impressionante . O mérito não havia sido da assistência médica local. Neste ínterim havia chegado água potável , com canos ,em grande parte da cidade. Esta água chegava até às casas . A torneira ficava nas salas de entrada . As pessoas não faziam a instalação para o banheiro ou para a cozinha . Ela ficava ali na sala. Foi o abastecimento melhorado da água potável ,e não o médico , que teve o feliz impacto.
Quero dizer com estas plangentes lembranças que o atendimento médico não faz milagres. A assistência médica isolada , é a parte menos importante da solução . Sem saneamento básico - definido como o “conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais.”- os sinos continuarão plangentes e,tristemente , anunciando mortes prematuras e evitáveis.
Yvelise Castro -10/07/2013
Nos idos da segunda metade da década de 1970, eu estava na casa de tia Carmem , em Santa Cruz RN . Percebi que o sino da igreja estava repicando de uma forma muito triste. Ela então me disse que o sino anunciava a morte de uma criança que tinha três meses de idade e era filha de uma pessoa conhecida. Morrera de diarréia e desidratação. Até então eu não conhecia a linguagem dos sinos .Ora alegres , ora tristes. Ela complementou – agora , os sinos batem menos . Antes da chegada do CRUTAC –UFRN, os sinos badalavam o dia inteiro anunciando a morte de gente de tudo quanta era idade. Muitas mortes prematuras de crianças .
Então fiquei atenta à linguagem dos sinos. Eles plangiam e ,logo depois , surgia o triste cortejo à caminho do cemitério. Muitas crianças acompanhavam os anjinhos com grinaldas de flores e folhas naturais . Alguns adultos, e alguém com o pequeno caixãozinho , ora azul , ora branco. Estas cenas se repetiam em Florânia , Santa cruz e Tangará , locais onde trabalhei e residi.
Em Tangará , nunca tinha residido nenhum médico. Tenente Soares – então o prefeito – aprovou a minha sugestão de que seria muito bom para o município ter o seu próprio médico. A assistência médica era feita pelo CRUTAC , uma vez por semana e nos demais dias , os doentes eram conduzidos para Santa Cruz. Fui morar em Tangará e assumi a assistência à saúde da população.
Com um tempo, notei que o sino da igreja estava batendo menos anunciando mortes.
Após algum tempo na cidade, a câmara de vereadores me agraciou com o título de cidadã tangaraense. Como o prefeito havia enfrentado algumas resistências para a minha contratação - pessoas diziam que bastaria o CRUTAC- resolvi fazer uma pesquisa sobre o impacto da presença do médico na mortalidade infantil . Usei os registros de óbito do cartório. No discurso da solenidade eu apresentaria os dados.
Realmente a morte de crianças por diarréia e desidratação mostrava uma curva descendente após a minha chegada . Mas , de repente esta curva caiu de forma impressionante . O mérito não havia sido da assistência médica local. Neste ínterim havia chegado água potável , com canos ,em grande parte da cidade. Esta água chegava até às casas . A torneira ficava nas salas de entrada . As pessoas não faziam a instalação para o banheiro ou para a cozinha . Ela ficava ali na sala. Foi o abastecimento melhorado da água potável ,e não o médico , que teve o feliz impacto.
Quero dizer com estas plangentes lembranças que o atendimento médico não faz milagres. A assistência médica isolada , é a parte menos importante da solução . Sem saneamento básico - definido como o “conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais.”- os sinos continuarão plangentes e,tristemente , anunciando mortes prematuras e evitáveis.
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