terça-feira, 17 de janeiro de 2017

CONHEÇA NELSON RODRIGUES...


Nelson Rodrigues (1912-1980)
POR JOSÉ DOMINGOS BRITO
Nasceu no Recife em 23/08/1912. Jornalista, cronista, romancista e dramaturgo, é considerado o iniciador do teatro moderno brasileiro. Aos quatro anos a família se muda para o Rio de Janeiro, para se juntar ao pai Mario Rodrigues, deputado federal e jornalista que deixou o Recife indisposto com os políticos tradicionais. Aos sete anos pediu à mãe para entrar na escola, onde no ano seguinte participou de um concurso de redação. O tema era livre e o melhor trabalho seria lido na classe. A professora quase desmaiou ao ver sua redação: era uma história de adultério. Na infância suas leituras eram de adulto, romances onde a temática era uma só: a morte punindo o sexo ou o sexo punindo a morte.
Aos 13 anos “botou calças compridas” para trabalhar como repórter de polícia no jornal de seu pai “A Manhã”, onde também trabalhavam alguns de seus 13 irmãos. No jornal manteve contatos com colaboradores ilustres: Monteiro Lobato, Agripino Grieco, Ronald de Carvalho, José do Patrocínio, Aparício Torelly, Mauricio Lacerda etc. O jovem jornalista impressionou os colegas com sua facilidade em dramatizar pequenos acontecimentos. Ágil na escrita, logo ganhou uma coluna assinada e publica seu primeiro artigo em fevereiro de 1928. O título era “A tragédia da pedra…” com as famosas reticências que lhe acompanharam em tantos outros artigos. Depois exercitou seu lado sombrio com a crônica “O rato…”, onde descreve a morte de um rato atropelado por um carro. Em seguida começa a “bater” em Ruy Barbosa, para desespero de seu pai. No segundo artigo esculhambando a “Águia de Haia”, perdeu a coluna e foi rebaixado para a seção de polícia. O jornal, mal administrado e cheio de dívidas é vendido ao sócio. Pouco depois, seu pai lançou um novo jornal “Crítica”, em fins de 1928, que fez muito sucesso com uma circulação de 130 mil exemplares.
Nesta ocasião dá-se o assassinato de Carlos Pinto, repórter do jornal “A Democracia”. Correu a notícia que o mandante do crime foi um dos Rodrigues, e a policia prende todos eles: pai, mãe e os filhos. Nelson escapou porque estava no Recife, passando uma temporada para se livrar de uma depressão. Junto aos primos conheceu o Recife, Olinda, Boa Viagem e a zona do Cais do Porto, tida como a maior da América do Sul. Sua prima Netinha, com mantinha um namoro por carta quando estava no Rio, tirou-o da depressão e ele voltou para a redação do jornal “Crítica”. Em 26 de dezembro de 1920 o jornal estava sem assunto para a primeira página e Mario Rodrigues estampou o desquite de um casal famoso: Sylvia e José Thibau. No outro dia Sylvia entra na redação procurando o editor. Não encontrando-o pede para falar com seu filho Roberto e dá-lhe um tiro. Nelson, com 17 anos, estava ao lado e assistiu a cena. A família ficou traumatizada com a morte violenta.
Dois meses após, Mario Rodrigues sofre uma trombose cerebral e falece aos 44 anos. Como diz o ditado que “desgraça pouca é bobagem” estoura a Revolução de 30. Em 24 de outubro o Governo é deposto e todos os jornais do velho regime foram invadidos e empastelados. Pouco depois voltaram a circular, exceto “Crítica” o jornal dos Rodrigues. A família inteira passou um perrengue que durou uns meses, até que surgiu uma oportunidade. Em 1931 Roberto Marinho convida seu irmão Mario Filho (que dá nome ao Estádio do Maracanã) para assumir a página de esportes do jornal “O Globo”. Em 1932 Nelson, também, é contratado com um ordenado de 500 mil réis por mês. Com uma vida desregrada e fumando muito, pegou uma tuberculose e ficou 14 meses, entre 1934-1935, internado em Campos de Jordão, para onde retornaria outras vezes.
Casou com Elza Bretanha, também jornalista d’O Globo, com quem namorava há 2 anos, em 1940 sem avisar as famílias, e foi morar no Engenho Novo. Era a volta ao subúrbio levando uma vida de penúria. Um dia, ao passar em frente ao Teatro Rival, viu uma enorme fila para assistir A família Lerolero, de Raimundo Magalhães Júnior, e ouviu o comentário: “Esta chanchada está rendendo os tubos”. Parou e pensou: por que não escrever teatro? Em meados de 1941 é concluída sua primeira peça: A mulher sem pecado, que só foi encenada no fim de 1942. Não foi um sucesso de público, mas alguns críticos elogiaram. No ano seguinte, escreve Vestido de noiva e distribui cópias entre os jornalistas, críticos e amigos. Manuel Bandeira elogiou e, com este aporte, conseguiu elogios em quase todos os jornais. Mas falavam que a peça era muito complexa, que exigia um cenário de alto custo; portanto dificilmente alguém se proporia a encená-la. Até que a peça caiu nas mãos de Zbignew Ziembinski, um ator e diretor polonês recém-chegado ao Brasil. “Não conheço nada no teatro mundial que se pareça com isso”, foi o comentário de Ziembinski.
A partir daí começa a ficar famoso, odiado e amado pela crítica e pelo público. Porém, ainda com dificuldades financeiras e procurando outro emprego. Em 1945, através de David Nasser, é apresentado a Freddy Chateaubriand, da revista “O Cruzeiro”. Passa a trabalhar na revista com um salário de cinco mil cruzeiros, sete vezes mais do que ganhava n’O Globo. Assume o cargo de diretor de redação das revistas “Detetive” e “O Guri”. Depois soube que Freddy Chateaubriand estava querendo um folhetim para levantar a tiragem d’O Jornal. Ele se ofereceu para escrevê-lo e assim nasceu “Suzana Flag”, o pseudônimo que assinava a novela Meu destino é pecar. O folhetim alavancou as vendas do jornal e tornou-se um livro, cuja venda ultrapassou 300 mil exemplares. Isto estimulou-o a escrever outro folhetim: Escravas do amor, outro retumbante sucesso.
Sua terceira peça – Álbum de família – surge em 1946. A peça, com o incesto como tema central, foi proibida pela censura e só foi liberada 19 anos depois, em 1965. Nos anos seguintes teve suas peças interditadas pela censura, passou a ser sinônimo de obsceno e tarado e ficou conhecido como autor maldito. Ainda em 1946 aproveitou o sucesso de “Suzana Flag”, publicando sua “autobiografia”, intitulada Minha vida e foi outro sucesso de vendas. Evidentemente não era do conhecimento do público que se tratava de um pseudônimo. Em 1948 estréia mais uma peça: Anjo negro, gerando mais polêmica e consagrando-o como “maldito”. Seguem-se Senhora dos afogados (1948) e Dorotéia (1949).
Fanático torcedor do Fluminense, foi um grande cronista esportivo, ao mesmo tempo que escrevia reportagens policiais e folhetins romanescos. Em 1950 passou a trabalhar no jornal “Última Hora”. O dono do jornal, Samuel Wainer, propôs que ele escrevesse, com pagamento extra, uma coluna diária tratando de um fato qualquer, mas que fosse real. O título proposto foi Atire a primeira pedra. Nelson não gostou e propôs outro: A vida como ela é. Tal como nos folhetins anteriores, foi um grande sucesso que ajudava bastante a vender o jornal nas bancas. No ano seguinte, e aproveitando o sucesso dos folhetins, relançou Suzana Flag em O homem proibido. Sem sombra de dúvida foi a autor de romances de maior sucesso, publicados na forma de folhetins em jornais.
Em 1953 estreia no Teatro Municipal “A falecida” uma comédia chamada de “tragédia carioca” para atrair o público. Por esta época sua vida financeira já estava bem equilibrada ao ponto de manter outra família. Manteve um romance com Yolanda que durou cinco anos e lhe rendeu três filhos, que ele não reconheceu como seus. Para melhorar a situação financeira, a família Rodrigues ganha, em 1955, uma ação contra o Governo de indenização pela destruição do jornal “Crítica” e recebem uma boa bolada. Nelson compra um apartamento em Teresópolis e um carro para a mulher, a legítima. Esse período de prosperidade durou pouco. Teve um problema de vesícula e após a operação de alto risco ficou três meses sem publicar suas colunas nos jornais. A coluna publicada em “A Manchete Esportiva” foi interrompida de novembro de 1958 a março de 1959.
Em seguida cria outro personagem de folhetim, mais um sucesso: Engraçadinha, que entreteve os leitores da “Última Hora” até fevereiro de 1960. Depois, repetindo o sucesso que teve com Suzana Flag, foram publicados dois livros biográficos: Engraçadinha – seus amores e seus pecados dos doze aos dezoito e Engraçadinha – depois dos trinta. Certo dia conheceu um motorista de ônibus, malandro exibido que tinha todos os dentes de ouro. Ele misturou o cara com outro conhecido, o bicheiro carioca Arlindo Pimenta, e criou o personagem “Boca de ouro”. Como nas peças anteriores, tem problemas com a censura, mas fez grande sucesso em 1961, com Milton Moraes no papel principal.
Surge nova amante, mulher casada que logo se separa do marido, e dois anos depois ele também separa-se de Elza. O fato causou comoção entre os amigos Otto Lara Resende, Fernando Sabino e Claudio Mello e Souza, pois a esposa Elza chegou a tentar suicídio. Pode-se dizer que ele viveu uma “tragédia Rodrigueana” na própria pele. A nova esposa deu um trato em sua aparência, e logo começou a participar do programa esportivo “Grande resenha Facit”, da TV Rio, dirigido por Walter Clark. Era o primeiro programa tipo mesa-redonda da televisão brasileira. Isto não o impedia de continuar com suas peças: Beijo no asfalto (1960), Bonitinha, mas ordinária (1962), Toda nudez será castigada (1965) etc. Algumas delas passaram para a tela do cinema. Sua penúltima peça – Anti-Nelson Rodrigues – foi encenada em 1973, com direção de Paulo César Pereio. A última foi A serpente, escrita em 1979. Quase todas elas vêm sendo encenadas até hoje.
O início da década de 1970 marca também os “anos de chumbo” da ditadura. Nelson mantinha um relacionamento com alguns militares. Precisou deles para tirar seu filho Nelsinho, preso politico, da cadeia. Conseguiu com o presidente Médici um indulto para que ele saísse do País, mas Nelsinho não aceitou o privilégio. Sua fama de reacionário no meio politico não eram menor que a de “maldito” ou “pornográfico”. Não obstante isso, batalhou para para localizar e libertar alguns amigos, entre eles Hélio Pellegrino e Zuenir Ventura. Em 1974 a saúde se complica de novo. É operado de um aneurisma da aorta. Apesar da proibição médica, voltou a fumar. Em 1977 é novamente internado com uma arritmia ventricular grave e insuficiência respiratória. Em tais condições, consegue que a esposa Elza volte para casa. Bem antes disso já andavam se encontrando quase todas as noites no restaurante “O bigode de meu tio”, na Vila Isabel. Em fins do mesmo ano, com a saúde abalada, reuniu algumas crônicas e publicou seu último livro: O reacionário: memórias e confissões. Mesmo doente, aceitou um convite para fazer o lançamento numa livraria em Florianópolis. Como não viajava de avião, foram 15 horas de carro junto com uma irmã, que lhe servira como enfermeira. Passou a tarde inteira sentado ao lado de uma pilha de livros, de caneta em punho, aguardando a chegada dos interessados num autógrafo. Não apareceu ninguém, nenhum livro foi vendido naquela tarde.
A viagem de volta foi marcada por um silêncio constrangedor, o qual marcou seus últimos anos de vida. Faleceu em 21/12/1980, manhã de domingo. Naquele mesmo dia fez 13 pontos na Loteria Esportiva, num “bolão” junto com seus amigos do jornal “O Globo”. À tarde a seleção brasileira jogava contra a Suíça, em Cuiabá. No meio da partida, o Brasil inteiro assistiu pela TV o juiz Arnaldo César Coelho interrompendo o jogo com um minuto de silêncio para homenagear o grande dramaturgo.

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