quinta-feira, 12 de setembro de 2019




Auta de Souza

1. Luz e sombra.
2. Fio partido.
 
 LUZ E SOMBRA           (Versos escritos três dias antes da morte da autora)
            À poetisa Anna Lima

Vamos seguindo pela mesma estrada,
Em busca das paragens da ilusão;
A alma tranqüila para o Céu voltada,
Suspensa a lira sobre o coração.

Ris e eu soluço... (Loucas peregrinas!)
E em toda parte, enfim, onde passamos,
Deixo chorando os olhos das meninas,
Deixas cantando os pássaros nos ramos.

Porque elas amam tua voz canora,
Ó delicado sabiá da mata!
E eu lembro triste a juriti que chora
E a voz dorida em lágrimas desata.

Gostam de ver-te o rosto de criança
Limpo das névoas de um martírio vago,
O lábio em riso, desmanchada a trança,
No olhar sereno a candidez do lago.

Até perguntam quando sobre a areia
Em que tu pisas vão nascendo rosas:
“Bela criança, tímida sereia,
Irmã dos sonhos das manhãs radiosas.

Por que trilhando a terra dos caminhos,
Onde o teu passo faz brotar mil flores,
Esta velhinha vai deixando espinhos
E um longo rastro de saudade e dores?”

Não lhes respondas... Pela mesma estrada
Sigamos sempre em busca da Ilusão;
A alma tranqüila para o céu voltada,
Suspensa a lira sobre o coração.

Vamos; desprende a doce voz canora,
Que ela afugenta da tristeza o açoite;
E, enquanto elevas o teu hino à aurora,
Eu vou rezando as orações da noite...
 
FIO PARTIDOFugir à mágoa terrena
E ao sonho, que faz sofrer,
Deixar o mundo sem pena
           Será morrer?

Fugir neste anseio infindo
À treva do anoitecer,
Buscar a aurora sorrindo
           Será morrer?

E ao grito que a dor arranca
E o coração faz tremer,
Voar uma pomba branca
           Será morrer?

              II

Lá vai a pomba voando
Livre, através dos espaços...
Sacode as asas cantando:
           “Quebrei meus laços!”

Aqui, n’amplidão liberta,
Quem pode deter-me os passos?
Deixei a prisão deserta,
           Quebrei meus laços!


Jesus, este vôo infindo
Há de amparar-me nos braços
Enquanto eu direi sorrindo:
           Quebrei meus laços!
Janeiro, 1901.

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