sábado, 11 de novembro de 2017

NO TEMPO DA GARAPA...POR BERNARDO CELESTINO PIMENTEL

         

               Nasci e me criei no agreste...em Nova Cruz, onde de dia faltava água e á noite faltava luz....
               Caminhei 62 anos, mas não consegui fugir da minha rua...da minha calçada...do paraíso da minha infância...
              Hoje sobrevoo outras planícies, mas Nova Cruz ainda é a minha outra asa.
               Lá aprendi com o inverno e o estio e me tornei um homem...
               Vim ao mundo pelas mãos de Dona Maria gorda, a parteira que fez todos os partos de mamãe...
               Uma criança gorda, um adolescente gordo, um adulto gordo...mas graças a Deus serei um velho magro...
               O mundo detesta gente gorda...a vida também...o gordo é engraçado, mas ninguém compra...a propósito de ter sido uma criança gordinha, me lembrei ontem de um episódio da infância, que a minha meninice escutou e se posicionou,diferenciando-me.
               Meu pai, Chico Bezerra, comprava um carro de trem de açúcar, para revender na cidade...o vagão trazia esta mercadoria acondicionada em sacos de 60 kilos...
               Um grupo de cabeceiros empreitava com o velho para descarregar o trem...
               O Vagão estacionava na escadaria do Bar de Chico LÔLÔ, e começava o trabalho de formiguinha...automaticamente os homens traziam na cabeça  um saco, formava-se uma verdadeira Fila, um caminho, do vagão até o nosso depósito...
               Meu pai ficava no armazém vendendo,
mas no balcão se posicionava com o um goleiro:olho no armazém e olho no depósito, vigiando o descarregamento.
               NO DEPÓSITO ficava eu e mamãe e a gata Bolinha, caçadora de catitas da loja...seu pelo era de bolas pretas e bolas brancas...
               Eu observava o vai e vem dos homens fazendo força...
               Tinha o nego Sérgio, forte, musculoso, sabido, irreverente...
               Tinha Zé Meira, alto, moreno, calado, impenetrável como um peixe...
               Tinha Coca Cola, educado por natureza, macio,discreto...
               Tinha Falcão, alto, branco ou anêmico, um meninão...
               Tinha Antônio, que seguia o que Sérgio dizia...
               Tinha pena deles, trabalhavam tanto, mas sobre os quais  a vida não teve  nenhuma complacencia...aprendi com eles a valorizar o trabalho e não reclamar de barriga cheia...
               Mas neste dia, Falcão usou uma frase e foi mal interpretado...
               Lá vinha ele  com um saco na cabeça, e ao me ver, falou: Como este menino está gordo???parece até filho de ladrão quando o pai está solto...
               Esta evidencia, caiu como uma centelha num barril de pólvora...e mamãe explodiu veementemente contra o cabeceiro...
               Eu podia ter no máximo sete anos,entendi mamãe mas compreendi o trabalhador...fui um bombeiro...
               Disse mamãe, ele não quis chamar Papai de ladrão...ele usou um ditado comum, do cotidiano...desculpe-o...é um pobre...
               Mamãe era excelente,caridosa,mas explodia, como explodem os PIMENTEL...são temperamentais, ficam vermelhos quando tem raiva, daí serem assemelhados a pimenta, segundo Câmara Cascudo...
               Todas estas explosões eram sanadas apenas com uma garapa de açúcar...quando eu era criança, era um excelente tranquilizante.
               Toda a família tomava uma garapa para se acalmar, baixar a pressão, diminuir a frequencia cardíaca.era um santo remédio...
o mais usado.
          Toda a minha família já escapou de morrer tomando uma garapa de açúcar.
          E parafraseando Dr. Ramos,  o nosso medico na metade do século passado, mesmo quem tomou uma garapa e morreu, morreu muito melhorado.

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